Como prevenir problemas de comportamento em cães filhotes

Escrito por Jon Bowen

Muitos tutores escolhem seu filhote pelos motivos errados, mas Jon Bowen identifica alguns fatores-chave que podem ajudar um filhote a se tornar um ótimo membro da família.

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A apresentação de um filhote à sua nova família deve ser feita por volta das 8 semanas de idade

Pontos-chave

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Comportamentos problemticos em ces so uma razo significativa e contnua para a eutansia.

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Os Mdicos-Veterinrios devem trabalhar proativamente com os criadores para obter boas prticas de seleo e criao e incentivar a vacinao precoce.

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O temperamento e a personalidade de um co so o produto da interao entre a gentica e os primeiros eventos vividos pelo animal, por isso vital tornar essas experincias o mais positivas possvel.

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Os Mdicos-Veterinrios devem orientar os tutores de filhotes com as melhores fontes de informao e ajud-los a entender como cuidar de seu novo pet para que tenham um bom comportamento quando adulto.

Introdução

Apesar dos avanços em cuidados veterinários e nutrição que melhoraram os resultados de saúde para cães de companhia nos últimos anos, o comportamento problemático continua sendo uma causa de morte teimosamente consistente e importante nesta espécie. De acordo com os resultados de um grande estudo, o comportamento indesejável foi a causa mais comum de morte em cães com menos de três anos de idade [1]. Quase 34% das mortes nesta faixa etária foram atribuídas a problemas de comportamento, com as chances de morte sendo 1,4 vezes maior para cães machos do que fêmeas. Esses dados foram coletados de 2009 a 2014 em clínicas veterinárias de cuidados primários no Reino Unido, mas dados mais recentes coletados na Austrália entre 2013 e 2018 e analisados usando a mesma metodologia produziram números semelhantes, com uma taxa de mortalidade por comportamento indesejado de 29,7% para cães menores de três anos [2]. Em ambas as populações, a agressão foi a causa comportamental de morte mais comum (Figura 1).

Um estudo na Austrália durante um período de cinco anos mostrou que o comportamento indesejado foi responsável por 30% dos cães eutanasiados antes dos 3 anos de idade
Figura 1. Um estudo na Austrlia durante um perodo de cinco anos mostrou que o comportamento indesejado foi responsvel por 30% dos ces eutanasiados antes dos 3 anos de idade, e que a agresso foi o problema comportamental mais comum que levou eutansia.Crditos: Shutterstock

A alta prevalência de eutanásia é a ponta visível de um iceberg muito maior de problemas em torno do comportamento problemático dos cães. Essas estatísticas são inegavelmente perturbadoras, mas a eutanásia é apenas um ponto final possível para cães com problemas de comportamento, e geralmente só se aplica aos mais gravemente afetados. Os tutores também podem optar por realojar ou tratar os cães afetados, ou adaptar seu estilo de vida para acomodar problemas comportamentais, mas todas essas opções representam um fardo emocional, financeiro ou de tempo para as famílias que possuem animais de estimação.

O comportamento problemático é amplamente aceito como uma das principais causas de abandono, conforme relatado em muitos estudos e nas estatísticas anuais de organizações de realojamento e assistência social. Isso também tem um alto custo em termos de fundos públicos e bem-estar animal. O tratamento é uma opção, mas a aceitação e o sucesso dependem de as pessoas estarem altamente motivadas, bem informadas e orientadas para fontes eficazes de ajuda. Infelizmente, em um estudo australiano [2] verificaram que para 82,8% das fatalidades relatadas, nenhuma outra intervenção foi registrada e a idade média do cão quando os primeiros sinais da causa comportamental da morte apareceram foi de aproximadamente 11 meses de idade. Isso indica que oportunidades significativas para remediar problemas de comportamento eram comumente perdidas. Com os sistemas de abrigo permanentemente sobrecarregados e os tutores não recebendo o apoio de que precisam, muitas pessoas simplesmente continuam a viver com cães problemáticos. Isso coloca as pessoas em risco, prejudica o vínculo humano-animal e todos os benefícios para a saúde física e mental que dele decorrem, além de prejudicar a qualidade de vida tanto das famílias quanto dos cães.

Dado o quanto sabemos sobre os efeitos do comportamento problemático em pessoas e pets, por que continuamos a não conseguir controlar esse problema? A principal razão é provavelmente que não prestamos atenção suficiente à prevenção. Do lado dos criadores, isso significa selecionar corretamente os cães para os cruzamentos e fornecer um bom ambiente que apoie os cuidados maternos e a socialização e habituação precoces. Do lado dos tutores, isso significa saber o que procurar ao escolher um filhote e, em seguida, dedicar muito tempo e energia à contínua socialização e habituação; isso envolve entender os estados emocionais e as motivações dos filhotes, proporcionando-lhes uma boa qualidade de vida e treinando-os adequadamente.

Do nosso lado, como Médicos-Veterinários, significa trabalhar proativamente com os criadores para obter boas práticas de seleção e criação e vacinação precoce, fornecendo aos tutores as melhores fontes de informação e compreendendo a interação entre a prevenção de doenças e o desenvolvimento comportamental dos filhotes. A falta de espaço impede a cobertura de todos esses assuntos, portanto, este artigo se concentrará nas coisas que acredito serem bons pontos de partida, porque podem fazer a maior diferença. Em primeiro lugar, é útil revisar os estágios de desenvolvimento do filhote e como eles se relacionam com as práticas de reprodução e ida para o novo lar.

Estágios de desenvolvimento

A Figura 2 mostra uma linha do tempo dos estágios e pontua os momentos que são de importância prática no desenvolvimento do filhote. Antes de 3 semanas de idade, os filhotes não têm mobilidade e as principais entradas sensoriais às quais respondem são o toque e o olfato. Além desse ponto, os filhotes tornam-se mais ativos à medida que seus sistemas sensoriais e locomotores se desenvolvem. Isso é chamado de “período sensível” do desenvolvimento, embora seja muitas vezes informalmente chamado de “período de socialização”. Durante esse período, eles se tornam cada vez mais independentes de suas figuras de apego (como sua mãe e as pessoas com quem se sentem seguros) e se tornam mais curiosos e exploradores. Embora o período sensível possa se estender até 12-14 semanas de idade, para fins práticos de socialização e habituação, é melhor assumir que o ponto final é de 12 semanas.

Linha do tempo das fases de desenvolvimento do filhote
Figura 2. Linha do tempo das fases de desenvolvimento do filhote. As cores mais escuras indicam mudanas de desenvolvimento subjacentes, as cores mais claras indicam os fatores e processos mais influentes e as cores mais claras indicam intervenes que podem ser tomadas para melhorar os resultados.Crditos: Jon Bowen

Entre o nascimento e até cerca de dez semanas de idade, o sistema nervoso central (SNC) do filhote passa por um extenso processo de mielinização e organização [3]. Isso faz parte do processo de desenvolvimento da expectativa de experiência: o cérebro dos animais jovens é pré-preparado para coletar informações específicas que devem estar presentes no ambiente durante o desenvolvimento e são necessárias para que o cérebro amadureça adequadamente [4]. Um exemplo bem conhecido é o desenvolvimento da visão em gatos. Se a visão de um gatinho estiver obstruída por períodos tão curtos quanto 3-4 dias durante os primeiros 3 meses de vida, isso leva a uma redução persistente e praticamente irreversível no número de neurônios do córtex visual que respondem ao olho obstruído. Períodos de oclusão mais longos podem levar à perda permanente da visão funcional em gatinhos, embora o mesmo período de oclusão em um gato adulto não tenha efeito [5]. Esse mesmo processo se aplica a todas as informações e experiências a que um cão ou gato filhote é exposto, de modo que, se algo estiver faltando nas primeiras semanas de vida, podem resultar déficits funcionais permanentes. É por isso que o período sensível é tão importante em termos de desenvolvimento do comportamento normal dos filhotes. Ao final desse período, o SNC se transforma em uma representação neuronal da experiência do filhote até aquele ponto, na qual novas informações podem ser integradas no futuro.

Após o término do período sensível, há um aumento progressivo da neofobia; os filhotes demonstram medo e evitam estímulos desconhecidos específicos e podem ficar ansiosos em ambientes mais complexos do que estão acostumados ou que incluem muitos estímulos desconhecidos. Mesmo filhotes que foram bem socializados e habituados podem apresentar esses sinais em algumas situações, mas serão mais resistentes e mais capazes de lidar com isso.

Para se tornar um adulto emocionalmente estável com comportamento apropriado, a gama de estímulos e experiências a que um filhote é exposto durante o período sensível deve corresponder ao que ele encontrará quando adulto.

Jon Bowen

A seleção do filhote e o período após a chegada no novo lar

A aquisição de um filhote deve ser abordada como qualquer outra decisão importante. Por exemplo, em média, as pessoas mantêm um carro por 6-7 anos (Figura 4) e (com base nos números dos EUA) normalmente levam cerca de 16 semanas para decidir qual carro comprar, gastando cerca de 100 horas pesquisando sua decisão [9]. A maioria está indecisa no início do processo, e 6 em cada 10 pessoas vão considerar várias opções de veículos, visitando em média 2 a 3 concessionárias. Compare isso com a compra de filhotes. De acordo com um estudo do Reino Unido que analisa o efeito da pandemia na compra de filhotes, apenas 46,7% das pessoas que compraram filhotes realizaram pesquisas pré-compra e 91,6% dos tutores compraram a raça de primeira escolha [10]. Quando os novos tutores de filhotes foram questionados sobre quais fatores eram importantes, apenas 12% dos entrevistados indicaram que ver várias ninhadas antes de escolher o filhote certo era importante, apenas 36% acharam importante que um filhote fosse criado em um ambiente doméstico, apenas 21% disseram que era importante levar o filhote para casa com 8-9 semanas e 40% não achavam importante ver a mãe (n=320) [11]. Infelizmente, os tutores também não tomam decisões com base no comportamento ou temperamento. Em um estudo de 2012 baseado em abrigos de acolhimento nos EUA, 27,3% dos entrevistados indicaram que a aparência era a razão mais importante pela qual escolheram seu cão, em comparação com apenas 11,4% que disseram que o comportamento era de importância primordial [12]. Colocando de forma grosseira, as pessoas parecem pensar mais em comprar um carro do que um cachorro, e é aí que nós, como Médicos-Veterinários, podemos ajudar nossos clientes.

A introdução de um filhote em sua nova família deve ser feita por volta das 8 semanas de idade
Figura 3. A introduo de um filhote em sua nova famlia deve ser feita por volta das 8 semanas de idade, o que permite que os tutores se concentrem em experincias que vo ajudar o filhote a desenvolver traos comportamentais positivos.Crditos: Shutterstock

A influência do comportamento materno no desenvolvimento do filhote é uma área de interesse relativamente nova. Nem todas as mães oferecem o mesmo nível de cuidado aos seus filhotes, com mães de primeira viagem apresentando níveis mais baixos de lambidas, amamentação e contato mãe-filhote do que as mais experientes [6]. Quando analisamos o efeito da quantidade de cuidados maternos recebidos pelos filhotes durante os primeiros 21 dias de vida em seu comportamento às 8 semanas de idade, descobrimos que quanto mais cuidados maternos um filhote recebia, mais comportamento exploratório ele mostrava quando era isolado em um ambiente novo, menos ele estava orientado para o recinto (ou seja, procurando sua mãe), e mais tempo levava para começar a vocalizar (sinal de estresse) [7]. O quadro geral era que os filhotes que recebiam mais cuidados eram mais confiantes, independentes e curiosos. Essas são características desejáveis para um filhote que está sendo acolhido nessa idade e podem protegê-lo contra o desenvolvimento de problemas de comportamento, especialmente aqueles que envolvem apego (por exemplo, ansiedade de separação). A implicação é que os criadores devem escolher procriar fêmeas que não sejam apenas bem de saúde e temperamentalmente saudáveis, mas que também mostrem bom comportamento materno – e, além disso, devem fornecer um ambiente seguro e sem perturbações que promova interações positivas entre mãe e filhote.

Há também algumas evidências de que o manejo humano precoce pode afetar o comportamento de um cão mais tarde na vida. Por exemplo, um estudo descobriu que filhotes que receberam cuidados diários suaves antes de três semanas de idade passaram a mostrar uma latência mais longa antes de vocalizar, mais comportamento exploratório e uma duração mais curta de vocalização em testes isolados às 8 semanas de idade, em comparação com cães que não foram manuseados [8]. A semelhança entre esses resultados e os de estudos sobre cuidados maternos sugere que ambas as formas de contato provavelmente se encaixam no mesmo mecanismo. Os criadores devem ser encorajados a manusear os filhotes com cuidado durante as primeiras três semanas de vida, principalmente quando a mãe é inexperiente e pode não se envolver em um comportamento de cuidado materno suficiente. Para evitar estressar a mãe, o manejo pode ser feito quando ela está longe de seus filhotes, como quando ela está se alimentando.

Os criadores devem ser encorajados a manusear os filhotes com cuidado durante as primeiras três semanas de vida, principalmente quando a mãe é inexperiente e pode não se envolver suficientemente no comportamento de cuidado materno.

Jon Bowen

A seleção do filhote e o período após a chegada no novo lar

A aquisição de um filhote deve ser abordada como qualquer outra decisão importante. Por exemplo, em média, as pessoas mantêm um carro por 6-7 anos (Figura 4) e (com base nos números dos EUA) normalmente levam cerca de 16 semanas para decidir qual carro comprar, gastando cerca de 100 horas pesquisando sua decisão [9]. A maioria está indecisa no início do processo, e 6 em cada 10 pessoas vão considerar várias opções de veículos, visitando em média 2 a 3 concessionárias. Compare isso com a compra de filhotes. De acordo com um estudo do Reino Unido que analisa o efeito da pandemia na compra de filhotes, apenas 46,7% das pessoas que compraram filhotes realizaram pesquisas pré-compra e 91,6% dos tutores compraram a raça de primeira escolha [10]. Quando os novos tutores de filhotes foram questionados sobre quais fatores eram importantes, apenas 12% dos entrevistados indicaram que ver várias ninhadas antes de escolher o filhote certo era importante, apenas 36% acharam importante que um filhote fosse criado em um ambiente doméstico, apenas 21% disseram que era importante levar o filhote para casa com 8-9 semanas e 40% não achavam importante ver a mãe (n=320) [11]. Infelizmente, os tutores também não tomam decisões com base no comportamento ou temperamento. Em um estudo de 2012 baseado em abrigos de acolhimento nos EUA, 27,3% dos entrevistados indicaram que a aparência era a razão mais importante pela qual escolheram seu cão, em comparação com apenas 11,4% que disseram que o comportamento era de importância primordial [12]. Colocando de forma grosseira, as pessoas parecem pensar mais em comprar um carro do que um cachorro, e é aí que nós, como Médicos-Veterinários, podemos ajudar nossos clientes.

Em média, as pessoas levam 16 semanas para escolher um carro que vão manter por 6 anos
Figura 4. Em mdia, as pessoas levam 16 semanas para escolher um carro que vo manter por 6 anos. Ao adquirir um co que viver ao lado delas por talvez 14 anos, muitos tutores tomaro uma deciso rpida sem consider cuidadosamente todos os aspectos. Geralmente eles no verificam o comportamento dos pais de seus futuros filhotes, nem visitam vrias ninhadas antes de selecionar um indivduo adequado.Crditos: Shutterstock

Devemos tentar encorajar as pessoas a abordar a seleção de filhotes da mesma forma que qualquer outra decisão de longo prazo, fazendo escolhas baseadas em fatores que são conhecidos por serem positivamente influentes no resultado da aquisição. No mínimo, devemos dar aos futuros tutores de filhotes um checklist de regras simples que os ajudarão a tomar uma boa decisão (Tabela 1). Se os tutores em potencial puderem ser persuadidos a considerar várias raças, isso aumenta a probabilidade de que várias ninhadas sejam visualizadas, e se conseguirmos fazer com que planejem ver várias ninhadas, eles poderão pelo menos explorar opções em vez de escolher um filhote na primeira ninhada que lhes for mostrado. Ao fazer isso, podemos ajudar a remover algumas das restrições que normalmente resultam em uma escolha limitada e, portanto, provavelmente ruim, do filhote.

Tabela 1. Uma lista de verificação para possíveis donos de filhotes.

  1. Não escolha apenas uma raça, faça uma lista e discuta com o Médico-Veterinário.
  2. Planeje ver várias ninhadas para escolher o filhote certo, do ambiente adequado.
  3. Escolha uma ninhada de uma mãe experiente.
  4. Escolha uma ninhada que iniciará sua primovacinação antes de ir para casa.
  5. Não escolha um filhote a menos que possa ver seus pais (ou pelo menos a mãe).
  6. Adquira apenas filhotes que tenham sido criados em ambiente doméstico, bem socializados e com pais que tenham bom comportamento.
  7. Leve o filhote para casa com 8-9 semanas de idade.

O novo tutor do filhote é então responsável por completar sua socialização e habituação, e o processo de treinamento do filhote. Infelizmente, muitos novos tutores não valorizam muito a socialização ou o treinamento. Quando perguntados sobre quais fatores eram importantes ao se ter um cão, apenas 44% das pessoas que haviam comprado filhotes recentemente acharam importante concluir um curso de aulas de socialização e apenas 35% acharam importante que um filhote frequentasse um curso com aulas de treinamento antes dos 6 meses [11]. Pode não ser possível convencer todos os tutores de filhotes a frequentarem aulas de socialização e treinamento, especialmente se esses serviços não estiverem disponíveis localmente, mas existem alguns bons recursos online que podem ajudar. Por exemplo, o Dogs Trust fornece um conjunto gratuito de sons gravados e instruções de socialização em seu programa “Sounds Sociable (sons de socialização)”*. Este site também inclui informações sobre o treinamento inicial e como lidar com o mau comportamento precoce e o treinamento doméstico para filhotes de maneira calma e gentil, evitando punições.

* https://www.dogstrust.org.uk/help-advice/dog-behaviour-health/sound-therapy-for-pets

Barreiras para a socialização e habituação

A exposição regular a uma ampla gama de estímulos e eventos domésticos é facilmente alcançada se um filhote for criado em um ambiente doméstico (veja a Figura 5). É provável que a exposição positiva supere em muito qualquer exposição levemente negativa que possa ocorrer a partir de 12 semanas, e os estímulos internos são, por natureza, menos barulhentos e cinéticos. Além disso, o filhote vivencia esses estímulos em um ambiente já familiar e seguro. No entanto, o ambiente externo inclui estímulos muito maiores, mais rápidos e ruidosos, como veículos, bem como espaços abertos e movimentados, como áreas comerciais e parques. Além disso, esses eventos e estímulos são vivenciados pelo filhote quando está longe da segurança do lar e da base segura de sua mãe. Leva tempo para um filhote estabelecer um vínculo seguro com seus novos membros da família, portanto, durante seus primeiros passeios ao ar livre, ele pode se sentir muito apreensivo e vulnerável (Figura 6). Se essas primeiras saídas acontecerem quando o filhote ainda estiver dentro do período sensível, pelo menos a neofobia não é um fator adicional, mas isso depende da vacinação. Se a vacinação primária for adiada e concluída apenas após o final do período sensível, o filhote pode não ter oportunidade de adquirir experiências positivas do mundo ao ar livre. Isso cria um risco significativo de problemas de medo, ansiedade e agressão na idade adulta.

A exposição a estímulos e eventos que ocorrem dentro de casa durante o período sensível é uma consequência natural
Figura 5. A exposio a estmulos e eventos que ocorrem dentro de casa durante o perodo sensvel uma consequncia natural, mas a exposio durante este perodo a estmulos e eventos ao ar livre depende da vacinao. Quanto mais cedo o curso de vacinao for concludo, maior a proporo do perodo sensvel durante o qual o filhote pode ser exposto a eventos ao ar livre. As setas verdes indicam experincias positivas, as setas laranja e vermelhas indicam experincias mais negativas.Crditos: Jon Bowen

A vacinação é, portanto, um aspecto essencial da socialização e da habituação, pois sem ela o risco de doenças infecciosas é uma barreira ao desenvolvimento comportamental. Idealmente, a vacinação primária deve ser iniciada o mais cedo possível, usando produtos que alcancem rapidamente a eficácia protetora. Por exemplo, dar as primeiras vacinas quando o filhote estiver com o criador permitirá que ele comece a sair ao ar livre o mais rápido possível após o retorno ao lar. Os Médicos-Veterinários também devem dar os melhores conselhos sobre a prevalência de doenças locais que equilibrem os riscos à saúde com o perigo de não atingir as metas de socialização e habituação.

As primeiras caminhadas ao ar livre para um cão filhote podem ser uma experiência assustadora
Figura 6. As primeiras caminhadas ao ar livre para um co filhote podem ser uma experincia assustadora e devem ser feitas com cuidado, pois o filhote pode se sentir muito inseguro e vulnervel quando est longe de seu ambiente habitual.Crditos: Shutterstock

Gerenciando as primeiras experiências

Embora a importância da socialização e da habituação no desenvolvimento de um adulto com bom comportamento esteja bem estabelecida, a melhor abordagem para alcançar a socialização e a habituação adequada ainda não está clara [13]. Os encontros de filhotes são benéficos se forem bem executados, e a experiência no mundo real é inestimável. No entanto, esses encontros podem ser avassaladores para alguns indivíduos, principalmente se incluirem filhotes com uma ampla faixa de idades e se a interação social entre os filhotes for mal conduzida. Da mesma forma, os filhotes podem ficar facilmente sobrecarregados quando começam a conhecer cães e pessoas desconhecidas durante seus primeiros passeios ao ar livre. A chave para lidar bem com essas experiências é que os tutores reconheçam e respondam adequadamente aos sinais de estresse em seus filhotes. Indicadores comuns de estresse incluem lamber os lábios, bocejar, ficar ofegante, inquietação, esquiva, choramingar e chorar, comportamentos defensivos (por exemplo, rosnar), perda de apetite e incapacidade de responder a comandos. Esta é outra área de educação do tutor que faz parte do papel do médico-veterinário. Se os tutores observarem esses sinais em seu filhote, eles devem remover o animal da situação e permitir que ele se acalme. Se os mesmos sinais forem observados após introduções sucessivas mais cuidadosas do filhote em situações semelhantes, os tutores devem ser aconselhados a procurar ajuda comportamental profissional.

Considerações finais

O comportamento problemático é provavelmente a causa de morte mais negligenciada em cães jovens. Os problemas comportamentais são de natureza multifatorial e, no momento em que são apresentados aos médicos-veterinários, podem ser muito difíceis de tratar. A prevenção é o melhor caminho a seguir e, embora não tenhamos a intenção alarmar os tutores, os médicos-veterinários têm o dever de conscientizá-los sobre os riscos de mortalidade associados ao comportamento problemático em cães jovens. Essa conversa difícil pode ser a chave para abrir um diálogo sobre a seriedade de selecionar e criar um filhote e tomar as decisões certas. Também estamos na melhor posição para influenciar os criadores, promovendo boas práticas de criação e vacinação precoce para que os filhotes estejam devidamente preparados para seus novos lares. Com a ação correta, podemos melhorar a convivência de muitos cães jovens e seus tutores.

Jon Bowen

Jon Bowen

BVetMed, MRCVS, Dip. AS (CABC)

United Kingdom

O Dr. Bowen concluiu a graduação no Royal Veterinary College em 1992 e passou vários anos na clínica de pequenos animais. Ele então se interessou pelo comportamento animal depois de concluir uma pós-graduação em comportamento na Southampton University e atualmente dirige o serviço de referência em medicina comportamental no Royal Veterinary College de Londres, onde também leciona. Ele é autor de vários capítulos de livros sobre tópicos comportamentais e é palestrante regular em conferências veterinárias nacionais e internacionais.

Referências
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  2. Yu Y, Wilson B, Masters S, et al. Mortality resulting from undesirable behaviours in dogs aged three years and under attending primary-care veterinary practices in Australia. Animals (Basel) 2021;11(2):493.
  3. Fox M. Overview and critique of stages and periods in canine development. Develop. Psychobiol. 1971;4(1):37-54.
  4. Greenough W, Black J, Wallace C. Experience and brain development. Child. Dev. 1987;58(3):539-559.
  5. Voss P. Sensitive and critical periods in visual sensory deprivation. Front Psychol. 2013;4:664. DOI: 10.3389/fpsyg.2013.00664
  6. Guardini G, Bowen J, Raviglione S, et al. Maternal behavior in domestic dogs: a comparison between primiparous and multiparous dogs. Dog Behav. 2015;1:23-33.
  7. Guardini G, Mariti C, Bowen J, et al. Influence of morning maternal care on the behavioral responses of 8-week-old Beagle puppies to new environmental and social stimuli. App. Anim. Behav. Sci. 2016;181:137-144.
  8. Gazzano A, Mariti C, Notari L, et al. Effects of early gentling and early environment on emotional development of puppies. App. Anim. Behav. Sci. 2008;110:294-304.
  9. https://v12data.com/blog/25-amazing-statistics-on-how-consumers-shop-for-cars/. Accessed 31st Dec 2021.
  10. Packer R, Brand C, Belshaw Z, et al. Pandemic Puppies: characterising motivations and behaviours of UK owners who purchased puppies during the 2020 COVID-19 pandemic. Animals 2021;11:2500.
  11. Bowen J. The 5 Top Behavioral Tips for New Puppy Owners. In; Proceedings, VMX, North American Veterinary Congress 2020.
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  13. Howell T, King T, Bennett P. Puppy parties and beyond: the role of early age socialization practices on adult dog behavior. Vet. Med. (Auckl) 2015;6:143-153.