Artigo

Mudanças climáticas, clínicas veterinárias e alimentação

Escrito por Marion Sarteel e Geoffrey Daniel

 

Os profissionais de veterinária, como conselheiros dos tutores de cães e gatos e como parte interessada’ na indústria de alimentos para pets, podem desempenhar um papel fundamental no combate às mudanças climáticas.

Pontos-chave

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As mudanças climáticas representam importantes riscos à saúde dos pets, incluindo estresse térmico (i. e., por calor) e aumento de doenças transmitidas por vetores.

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Embora a indústria de alimentos para pets contribua para as emissões de gases de efeito estufa, principalmente através do uso de matérias-primas, medidas nutricionais sustentáveis podem mitigar o impacto ambiental.

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Os médicos-veterinários desempenham um papel essencial ao orientar os tutores sobre medidas sustentáveis e opções alimentares para seus pets.

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Os médicos-veterinários também podem contribuir para a formação das futuras gerações de outros profissionais de veterinária, promovendo a incorporação da sustentabilidade no ensino universitário.

Bulldog inglês ofegante na grama

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mudanças climáticas são o maior problema e a maior ameaça à saúde enfrentados pela humanidade,1 mas, sem dúvida, também podem afetar e afetarão o bem-estar de nossos pets. À medida que as temperaturas e a frequência de eventos climáticos extremos aumentam, as implicações para a saúde e nutrição animal tornam-se mais graves. Este artigo explora brevemente o impacto das mudanças climáticas nos pets e destaca o papel dos médicos-veterinários na abordagem dessa questão.

Os efeitos das mudanças climáticas

Aumento do estresse térmico e de doenças transmitidas por vetores

Com o aumento das temperaturas globais, os animais estão cada vez mais vulneráveis ao estresse térmico. Ondas de calor podem causar transtornos como exaustão e insolação, com complicações de saúde potencialmente graves.1,2 Certas raças de cães braquicefálicos, como o Cavalier King Charles Spaniel e o Buldogue, são mais propensas a doenças relacionadas com o calor durante os meses de verão, pois o encurtamento do crânio e o estreitamento das fossas nasais prejudicam a eficiência respiratória em altas temperaturas (Figura 1).3 Além disso, cães mais idosos e filhotes também podem correr maior risco de sofrer estresse térmico em virtude de sua menor capacidade de termorregulação corporal.

Bulldog inglês ofegante na grama
Figura 1. As raças braquicefálicas correm maior risco de sofrer os efeitos de mudanças climáticas, já que o aumento da temperatura ambiente afeta sua eficiência respiratória. ©Shutterstock

Por outro lado, as mudanças climáticas estão alterando a distribuição de parasitas e vetores (como carrapatos e mosquitos), os quais podem transmitir doenças aos pets. O aumento nas temperaturas e as mudanças nos padrões de precipitação estão provocando a expansão do habitat desses vetores, o que aumenta o risco de enfermidades, como a doença de Lyme e a dirofilariose (Figura 2).3-5 Áreas que antes apresentavam uma baixa incidência de doenças transmitidas por carrapatos agora estão registrando um maior número de casos, como o nordeste dos Estados Unidos, onde os invernos são mais quentes e os carrapatos sobrevivem por mais tempo e se reproduzem melhor.6

Também cabe supor que os tutores de baixa renda podem ter mais dificuldade em lidar com esses riscos, pois seu acesso a cuidados médicos-veterinários pode ser limitado, assim como o uso de antiparasitários ou recursos para manter a temperatura adequada de seus animais durante ondas de calor.

Um veterinário remove um carrapato da orelha de um cocker spaniel
Figura 2. O aumento nas temperaturas e as mudanças nos padrões de precipitação estão provocando a expansão do habitat de vetores artrópodes, o que aumenta o risco de enfermidades como a doença de Lyme e a dirofilariose. ©Shutterstock

Mudanças comportamentais e segurança alimentar

Os animais também podem apresentar mudanças de comportamento por conta de fatores estressantes relacionados com o clima. Eventos climáticos extremos podem aumentar a ansiedade e o estresse em pets, por exemplo, como consequência de evacuações ou deslocamentos associados a incêndios florestais ou inundações (Figura 3). Para fornecer as informações e o apoio necessários e intervir da devida forma, os médicos-veterinários precisam estar cientes dos distúrbios comportamentais associados a eventos climáticos.7 Por exemplo, durante ou após tais eventos, os cães podem exibir sinais de estresse, como latidos excessivos, ocultação (i. e., prática de se esconder), ou mudanças nos hábitos alimentares.

O impacto das mudanças climáticas se estende à segurança dos alimentos, considerando o possível declínio na produção agrícola associado a eventos climáticos extremos. Conforme a população global de cães e gatos continua a aumentar, a demanda por alimentos também aumentará, o que pode levar à escassez de recursos.8 As oscilações na disponibilidade e na qualidade das matérias-primas podem afetar em particular os filhotes de cães e gatos, dadas suas necessidades nutricionais específicas para crescimento e desenvolvimento ideais. Em regiões onde ocorreram secas ou inundações atribuídas às mudanças climáticas, a disponibilidade de ingredientes essenciais para a alimentação de cães e gatos pode vir a ser comprometida, o que pode levar ao aumento de preços e à redução da oferta de alimentos para os tutores de pets. Esse cenário enfatiza a necessidade de implementar práticas agrícolas sustentáveis que permitam enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.

Socorrista carregando cão resgatado das enchentes
Figura 3. Eventos climáticos extremos, como inundações, podem forçar os pets (e seus tutores) a deixar suas casas, o que pode causar ansiedade e subsequentes problemas comportamentais. ©Shutterstock

O papel da nutrição nas mudanças climáticas

Práticas sustentáveis no setor de alimentos para pets

A fabricação de alimentos para pets é uma das principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, respondendo por aproximadamente 60% das emissões anuais de pets.9 Para abordar essa questão, a atenção é voltada para a implementação de práticas sustentáveis de abastecimento e formulação. As principais estratégias incluem:

1. Seleção de ingredientes: priorizar o uso de ingredientes que possuem menor pegada de carbono e se originam de agricultura sustentável. Isso envolve a não utilização de ingredientes ligados ao desmatamento e a promoção de práticas agrícolas regenerativas que contribuam para o bom estado dos solos e a biodiversidade (Figura 4).10 Por exemplo, adquirir ingredientes de propriedades rurais que utilizam agricultura regenerativa ou orgânica pode reduzir significativamente seu impacto ambiental.

2. Redução de resíduos: utilizar subprodutos da indústria de alimentos para consumo humano em fórmulas para minimizar os resíduos e o uso de recursos. Isso reduzirá a dependência da indústria de alimentos para pets em produtos agrícolas primários, contribuindo assim para a redução do impacto ambiental em geral.11 Isso não só é benéfico para a gestão de resíduos, mas também se trata de uma solução econômica para o abastecimento de ingredientes e, do ponto de vista ético, maximiza o valor dos subprodutos de origem animal.

3. Alimentos de alto teor energético: desenvolver alimentos ricos em energia permite reduzir o volume das porções e, portanto, tem um menor impacto ambiental em geral. Esses alimentos não apenas atendem às necessidades nutricionais, mas também contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa por caloria consumida.11

Desmatamento, com metade da floresta desmatada
Figura 4. Priorizar o uso de ingredientes originários da agricultura regenerativa e combater o desmatamento contribuem para a redução da pegada de carbono. ©Shutterstock

Orientando os tutores de pets

Os médicos-veterinários desempenham um papel informativo essencial, transmitindo aos tutores de pets a importância de práticas sustentáveis. Isso inclui falar sobre:

  • Alimentação responsável: promover a alimentação na medida certa (sem excessos), não apenas por questões de saúde, mas também porque a superalimentação contribui para uma maior pegada de carbono. Explique aos tutores como monitorar as porções dos pets e os benefícios de alimentá-los na quantidade certa.12 Fornecer diretrizes claras sobre os métodos de alimentação pode ajudar os clientes a tomar decisões informadas.
  • Gestão de resíduos: oferecer orientações sobre o descarte e a reciclagem de embalagens dos alimentos para pets, bem como de outros materiais. Promover o uso de embalagens biodegradáveis ou recicláveis pode reduzir significativamente o impacto ambiental associado à posse de pets.13
  • Escolha de produtos sustentáveis: orientar os tutores na seleção de alimentos que levem em conta a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental. Fornecer informações sobre empresas ou marcas que adotam abordagens de produção e abastecimento sustentáveis pode ajudar os tutores a tomar decisões informadas (Figura 5).
Cliente segurando um cachorro no colo olhando para o rótulo de uma lata em seu celular
Figura 5. Os médicos-veterinários podem orientar seus clientes na escolha de alimentos que priorizem a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental, além de fornecer informações sobre empresas ou marcas que adotam abordagens de produção e abastecimento sustentáveis. ©Shutterstock

O papel dos médicos-veterinários no combate às mudanças climáticas

Os médicos-veterinários estão em uma posição privilegiada para influenciar os clientes e a comunidade em geral em questões relacionadas com as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Como já foi dito, ao promover uma nutrição mais ecologicamente correta, os médicos-veterinários podem contribuir para a criação de uma cultura de responsabilidade entre os tutores de pets.

Além disso, os médicos-veterinários também podem interagir com suas comunidades por meio de workshops educativos, seminários e programas de extensão focados em sustentabilidade. Os médicos-veterinários podem difundir sua mensagem e incentivar a ação coletiva, colaborando com organizações locais e grupos ambientais.14 Em uma clínica veterinária da Califórnia, por exemplo, foi organizada uma "Feira de Sustentabilidade e Bem-Estar Pet" com workshops sobre produtos ecologicamente corretos e nutrição responsável, além da importância de adotar animais de abrigos. Esse evento não só foi útil para os tutores, mas também fomentou um senso de comunidade em torno da implementação de medidas sustentáveis.

Os médicos-veterinários também podem contribuir para as pesquisas sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde animal. A participação em pesquisas multidisciplinares também pode promover a colaboração entre as ciências veterinárias e ambientais. Os médicos-veterinários podem colaborar com os fabricantes de alimentos para pets, promovendo práticas sustentáveis de desenvolvimento de produtos e inovações em fórmulas que priorizem a responsabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, atendam às necessidades nutricionais dos animais. Os fabricantes devem ser incentivados a explorar fontes proteicas alternativas (como proteínas de insetos ou de origem vegetal) para garantir o aporte de proteínas no futuro e desenvolver materiais com menor impacto ambiental.15

As mudanças climáticas estão alterando a distribuição de parasitas e vetores, como carrapatos e mosquitos, os quais podem transmitir doenças aos pets. O aumento nas temperaturas e as mudanças nos padrões de precipitação estão provocando a expansão dos habitats desses vetores, o que aumenta o risco de enfermidades, como a doença de Lyme e a dirofilariose.

Marion Sarteel

Além da nutrição, os médicos-veterinários podem implementar outras medidas para reduzir a pegada de carbono de suas clínicas.16 Embora esse tópico seja abordado em detalhes em outra parte desta edição, algumas medidas que podem ser tomadas incluem a instalação de um sistema de iluminação eficiente, o fornecimento sustentável de suprimentos clínicos e a redução da pegada de carbono da anestesia. Por exemplo, a Mars Veterinary Health introduziu uma tecnologia inovadora de captura de gases anestésicos em 2024 para reduzir as emissões de carbono.17

Também é importante contribuir para a formação das futuras gerações de médicos-veterinários, promovendo a incorporação da sustentabilidade no ensino universitário. A introdução de um módulo curricular com foco no impacto das mudanças climáticas na prática veterinária incentivaria os alunos a refletir sobre seu futuro papel no combate a essas mudanças.18 Esse tema também deve ser incluído (por exemplo, por meio de cursos on-line ou reuniões presenciais) como parte da educação continuada de médicos-veterinários.

Os médicos-veterinários estão em uma posição privilegiada para influenciar os clientes e a comunidade em geral em questões relacionadas com as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Promover uma nutrição mais ecologicamente correta pode ajudar a criar uma cultura de responsabilidade entre os tutores de pets.

Geoffrey Daniel

Conclusão

A interligação entre mudanças climáticas e saúde animal representa um importante desafio tanto para os médicos-veterinários como para os tutores de pets. Compreender o impacto das mudanças climáticas nos animais e adotar práticas alimentares sustentáveis contribuem para um futuro mais saudável tanto para os animais como para o planeta. À medida que a indústria de alimentos para pets continua a evoluir, o compromisso com a sustentabilidade será essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e garantir o bem-estar dos nossos amados companheiros.

 Referências bibliográficas

  1. World Health Organization. Ten threats to global health. Disponível em: https://www.who.int/news-room/spotlight/ten-threats-to-global-health-in-2019/ Acesso em 13 de abril de 2025.
  2. Protopopova A, Ly L, Legge BJ, et al. Climate change and companion animals: identifying links and opportunities for mitigation and adaptation. Animals 2021;11(6):1161-1168.
  3. National Aeronautics and Space Administration (NASA), 2021. The effects of climate change. Disponível em: https://science.nasa.gov/climate-change/effects/ Acesso em 15 de abril de 2025.
  4. Montoya-Alonso JA, Morchón R, García-Rodríguez SN, et al. Expansion of canine heartworm in Spain. Animals (Basel). 2022;12(10):1268 
  5. Széll Z, Bacsadi Á, Szeredi L, et al. Rapid spread and emergence of heartworm resulting from climate and climate-driven ecological changes in Hungary. Vet. Parasitol. 2020;280:109067.
  6. Minigan JN, Hager HA, Peregrine AS, et al. Current and potential future distribution of the American dog tick (Dermacentor variabilis, Say) in North America. Ticks Tick. Borne Dis. 2018;9(2):354-362.
  7. Palestrini C, Minozzi G, Mazzola SM, et al. Do intense weather events influence dogs’ and cats' behavior? Analysis of owner reported data in Italy. Front. Vet. Sci. 2022;9:973574
  8. Dijk M, Morley T, Rau ML, et al. A meta-analysis of projected global food demand and population at risk of hunger for the period 2010-2050. Nature Food. 2021;2;494-501. 
  9. Annaheim J, Jungbluth N, Meili C. Life cycle assessment of pets and companion animals in Switzerland, 2002. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329610561_Okobilanz_von_Haus-_und_Heimtieren_Uberarbeiteter_und_erganzter_Bericht  Acesso em 18 de abril de 2025.
  10. Schulte L, Dale B, Bozzetto B, et al. Meeting global challenges with regenerative agriculture producing food and energy. Nature Sust. 2022;5;384-388.
  11. Daniel G, Sarteel M. Royal Canin, personal data 2025. 
  12. Hall EJ, Carter AJ, O’Neill DG. Incidence and risk factors for heat-related illness (heatstroke) in UK dogs under primary veterinary care in 2016. Sci. Rep. 2020;10(1):9128. 
  13. Ellen McArthur Foundation. Our vision for a circular economy of plastics. Disponível em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/plastics-vision Acesso em 17 de abril de 2025. 
  14. British Veterinary Association 2019. https://www.bva.co.uk/news-and-blog/news-article/heatwave-sparks-dogs-in-hot-cars-calls-as-reports-hit-three-year-high/ Acesso em 13 de abril de 2025.
  15. EIT Food partners with Mars for an Open Innovation Challenge to transform fibre for petcare. Disponível em: https://www.eitfood.eu/news/eit-food-mars-launch-open-innovation-challenge-transform-fibre-petcareAcesso em 16 de abril de 2025. 
  16. Vet Sustain. A greener veterinary practice checklist. https://vetsustain.org/resources/vet-practice-checklist Acesso em 7 de abril de 2025.
  17. Mars Veterinary Health. Anaesthetic gas capture technology to reduce carbon emissions  https://marsveterinary.com/mvh-pilots-industry-leading-anaesthetic-gas-capture/Acesso em 7 de abril de 2025
  18. Kramer C, McCaw K, Zarestky J, et al. Veterinarians in a changing global climate: educational disconnect and a path forward. Front. Vet. Sci. 2020;7:613620.

Marion Sarteel

Marion Sarteel

MEng, Royal Canin, Montpellier, França

Marion Sarteel lidera a estratégia da Royal Canin para enfrentar as mudanças climáticas e visa reduzir o impacto ambiental do setor de alimentos para pets. Formada em Engenharia Agronômica ou Agronomia pela Escola Superior de Agricultura de Montpellier (SupAgro), Marion trabalhou como consultora para empresas de produtos de consumo e para a Comissão Europeia, com o objetivo de melhorar o impacto socioambiental dos setores de alimentos para consumo humano e animal. Além disso, desde 2018, ela lidera a iniciativa global da Royal Canin para atuar frente às mudanças climáticas e promove diversos projetos que já estão gerando benefícios tangíveis para o planeta.

Geoffrey Daniel

Geoffrey Daniel

MSc, Royal Canin, Montpellier, França

Geoffrey Daniel se formou na Escola Nacional de Técnicas de Engenharia das Indústrias Agrícolas e Agroalimentares (ENITIAA) em Nantes (França) e, desde 2003, trabalha na Royal Canin, onde ocupou diversos cargos como Cientista de P&D de Processos e Produtos. Como especialista em nutrição sustentável e formulação de dietas, Geoffrey possui vasta experiência na fabricação de alimentos da Royal Canin e, desde 2023, é especialista em Sustentabilidade de Formulações da Royal Canin. Atualmente, ele lidera o programa global de ação climática para P&D relacionado com a descarbonização de fórmulas, a fim de reduzir a pegada de carbono dos alimentos para pets. Geoffrey coordena essa estratégia não só com os times comerciais, mas também com os times de formulação e de sustentabilidade da Royal Canin.

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