Artigo

Prescrição Sustentável 2 / Uso Racional de Medicamentos em Clínicas de Pequenos Animais

Escrito por Ian Ramsey, Rosemary Perkins and Fergus Allerton

 

Hoje em dia, todos os médicos-veterinários estão cientes da necessidade de garantir o uso adequado de medicamentos. Este artigo fornece um guia de boas práticas.

Veterinário trabalhando em um computador
© Shutterstock

Pontos-chave

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Uma abordagem One Health (Saúde Única) é vital para manter a eficácia dos antibióticos..

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O acrônimo “PROTECT ME” (Proteja-me em inglês) serve como um guia para lembrar os princípios do uso racional de antibióticos.

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Frequentemente se prescrevem antibióticos quando a causa do problema não é de origem bacteriana. Isso os torna ineficazes e retarda o tratamento adequado.

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Testes para a pesquisa de parasitas podem ajudar a reduzir o uso desnecessário de antiparasitários e a detectar possíveis resistências de parasiticidas, bem como a avaliar riscos em nível local e individual.

Introdução

Nesta segunda parte de uma série de três artigos, analisaremos como os medicamentos veterinários podem ser mais bem geridos em clínicas de pequenos animais para minimizar o desenvolvimento de resistências e a contaminação do ambiente. Embora se trate de um tópico de debate frequentemente limitado pela falta de evidências, existem algumas precauções razoáveis que podem ser tomadas diante da falta de dados. O artigo final sugere, entre outras coisas, os dados que podem ser necessários no futuro para garantir a eficácia dos medicamentos e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.

Este artigo aborda três grupos de medicamentos: antibióticos, antiparasitários e quimioterápicos. Embora os agentes antifúngicos e antivirais também sejam considerados antimicrobianos, e grande parte do nosso conhecimento sobre a prescrição responsável de antibióticos provavelmente seja aplicável a outras categorias de antimicrobianos, a base de evidências é mais fraca.1

Guia para o uso responsável de antibióticos

Uma abordagem One Health (Saúde Única) coordenada e rigorosamente implementada para o uso responsável de antibióticos é vital para preservar a eficácia desses agentes terapêuticos agora e no futuro. Muitas iniciativas independentes foram desenvolvidas para fornecer recomendações sobre o uso racional de antibióticos em pequenos animais, incluindo as diretrizes PROTECT ME da BSAVA, as diretrizes da Autoridade Sanitária Dinamarquesa sobre o uso de antibióticos, a diretriz GRAM da CEVA, e outros recursos nacionais (Quadro 1) .2

Quadro 1. Categorias de antibióticos de acordo com a Agência Europeia de Medicamentos.

Categoria A (evitar): NÃO USAR

Antibióticos de uso restrito na medicina humana (por exemplo, imipeném, linezolida, teicoplanina, vancomicina); não use em animais.

Categoria B (restringir): Antibióticos de alta prioridade e importância crítica

Restrinja o uso de fluoroquinolonas (enrofloxacino, marbofloxacino, pradofloxacino e ciprofloxacino) e cefalosporinas de terceira geração (cefovecina) para mitigar o risco à saúde pública. Sempre que possível, amostras devem ser enviadas para testes de sensibilidade antimicrobiana (antibiograma) antes do início do tratamento com esses agentes.

Categoria C (cuidado):

Use somente quando não houver antibióticos clinicamente eficazes da categoria D disponíveis.

Categoria D (cautela): antibióticos de primeira linha

O uso de antibióticos de primeira linha deve ser limitado a casos de real necessidade clínica. Evite o uso desnecessário e os tratamentos prolongados.

Além disso, a International Society for Companion Animal Infectious Diseases  (ISCAID, Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas de Animais de Companhia) desenvolveu diretrizes para o uso de antibióticos com base no órgão ou sistema envolvido, incluindo infecções do trato urinário, doenças respiratórias e piodermite.3-5 Mais recentemente, foram elaboradas diretrizes europeias sobre o manejo da diarreia canina aguda6 e a tomada de decisões sobre profilaxia cirúrgica em animais de companhia.7 Também existem diversas plataformas educativas online que facilitam o acesso e a implementação de medidas para o uso racional de antibióticos por clínicos veterinários.8 Todos esses recursos compartilham uma mensagem notavelmente consistente sobre as condições para a obtenção de “ótimos resultados” na clínica: ou seja, casos comuns que podem ser tratados de forma eficaz e segura sem antibióticos.

O conhecimento das diretrizes sobre o uso de antibióticos está estreitamente relacionado com a tendência a não administrar esses fármacos quando o paciente pode melhorar sem eles (por exemplo, em casos de doença do trato urinário inferior felino, vômitos ou diarreia agudos, infecções do trato respiratório superior).9 Estamos cada vez mais familiarizados com essas diretrizes; por isso, podemos esperar a maior adesão a elas e o uso mais adequado de antibióticos. De fato, a menor duração da antibioticoterapia-padrão para cistite esporádica canina, que era de 14 dias em 2016/17 e foi reduzida para 10 dias em 2018, pode refletir um maior reconhecimento das diretrizes da ISCAID.10

Para influenciar o comportamento dos prescritores, é essencial que as recomendações sejam transmitidas de maneira eficaz ao público-alvo. Isso pode ser facilitado pelo uso de novas tecnologias (por exemplo, o aplicativo First Line, desenvolvido pelo Ontario Veterinary College,11 que fornece orientações sobre o emprego adequado de medicamentos) ou pela tradução de materiais educativos para diferentes idiomas, com o objetivo de melhorar a acessibilidade.9

Antes de iniciar o tratamento, o médico-veterinário deve avaliar a adequação do ambiente e da equipe (nível de competência e treinamento) para administrar a quimioterapia, bem como a adesão dos tutores de pets aos protocolos de gestão de resíduos.

Ian Ramsey

Prescrição racional de antibióticos

Embora existam inúmeros recursos educacionais que oferecem excelentes orientações, este artigo se concentra na mensagem do acrônimo PROTECT ME para ilustrar os princípios básicos do uso racional de antibióticos (Figura 1) (Quadro 2). O pôster PROTECT ME (desenvolvido inicialmente em 2012 e atualizado em 2019 e 2023) foi criado para ser discutido em reuniões de equipe de clínicas veterinárias, a fim de envolver todos os membros na estratégia de uso racional de medicamentos. Esse pôster se tornou um recurso fundamental para os médicos-veterinários no Reino Unido e em outros países. É recomendável que todas as clínicas revejam o uso de antibióticos seguindo os princípios nele descritos.

Figura 1. O acrônimo PROTECT ME serve como um guia para aprimorar o conhecimento e a compreensão da resistência a antibióticos tanto por parte dos médicos-veterinários como dos tutores. Isso é crucial para reduzir a ameaça de cepas bacterianas resistentes.

Prescrever antibióticos somente quando houver necessidade

Realizar a substituição por tratamentos sem antibióticos

Otimizar a dose, o esquema e a via de administração

Tratar de forma eficaz

Empregar antibióticos de espectro estreito

Conduzir os exames de citologia e cultura microbiológica

Transformar a política de uso de antibióticos

Monitorar

Educar outras pessoas

Quadro 2. Como garantir o uso racional de antibióticos na clínica (adaptado de 12).

A iniciativa PROTECT ME incentiva as clínicas veterinárias a rever o uso de antibióticos e a identificar um protocolo que permita uma estratégia racional*. Isso envolve, por exemplo, realizar a seguinte classificação:

  • Infecções de ouvido
  • Infecções do trato respiratório
  • Infecções orais
  • Infecções do trato urinário
  • Infecções gastrointestinais
  • Infecções oculares
  • Infecções ortopédicas
  • Infecções cutâneas
  • Infecções de feridas e sítios cirúrgicos
  • Infecções com risco de vida
  • Uso cirúrgico
  • Diversos

A equipe deve identificar, dentro de cada categoria, os casos em que os antibióticos não devem ser usados. Por exemplo, em distúrbios do trato urinário, os antibióticos não são indicados nos quadros de:

  • Cistite idiopática felina
  • Urolitíase canina não relacionada à formação de estruvita e urolitíase felina
  • Incontinência urinária
  • Bacteriúria subclínica (canina ou felina), incluindo animais com síndrome de Cushing, diabetes mellitus ou lesão medular
  • Vaginite juvenil canina

e dentro da categoria gastrointestinal, os antibióticos não são indicados em casos de:

  • Vômitos agudos
  • Diarreia aguda (incluindo síndrome diarreica hemorrágica aguda), exceto sepse
  • Pancreatite
  • Infecções gástricas por Helicobacter pylori
  • Infecções por Campylobacter, Salmonella, Clostridium perfringens ou C. difficile
  • Diarreia crônica

Para cada categoria, você pode decidir quando o tratamento com antibióticos é apropriado e qual antibiótico ou classe de antibióticos utilizar. Por exemplo, amoxicilina (± ácido clavulânico) ou trimetoprima/sulfonamida por 3 a 5 dias seriam os medicamentos de escolha para infecção bacteriana esporádica do trato urinário, enquanto trimetoprima/sulfonamida ou fluoroquinolona (enrofloxacino ou marbofloxacino) por 2 a 4 semanas são recomendadas para prostatite em cães machos não castrados, juntamente com a castração médica/cirúrgica. É essencial consultar a classificação dos antibióticos, segundo a Agência Europeia de Medicamentos (Quadro 1).

Outras orientações podem ser acrescentadas para garantir que os membros da equipe estejam cientes de situações em que a cultura é essencial para assegurar a eficácia do tratamento (por exemplo, cistite recorrente) ou altamente recomendada, sempre que possível, para orientar a terapia (por exemplo, cistite esporádica); situações em que a citologia é aconselhada para direcionar as decisões terapêuticas (por exemplo, artrite séptica); e situações que exigem a consulta de recursos especializados (por exemplo, ao tratar um gato com Chlamydophila felis).

*O acrônimo PROTECT ME está disponível online e em formato de pôster.

  • Prescrever antibióticos somente quando houver necessidade. O uso desnecessário de antibióticos é algo comum em pequenos animais. Frequentemente se prescrevem antibióticos para condições de causa não bacteriana, como diarreia, tosse, secreção nasal e cistite felina. Em muitos desses casos, a causa é de origem viral, tóxica ou imunomediada; portanto, os antibióticos são ineficazes e podem retardar o tratamento adequado. Mesmo em infecções bacterianas secundárias, o tratamento da causa primária pode dispensar a necessidade de antibióticos. Em cirurgias, os antibióticos não devem substituir a devida assepsia, e intervenções cirúrgicas limpas (por exemplo, castração ou remoção de massas cutâneas) não necessitam de antibióticos. É importante questionar o uso rotineiro de antibióticos durante o período pós-operatório e considerar se eles realmente influenciam o resultado da cirurgia. Atualmente, os antibióticos pós-operatórios estão sendo descontinuados, mesmo em cirurgias ortopédicas com implantes.
  • Realizar a substituição por tratamentos sem antibióticos. A terapia sem o uso de antibióticos deve ser considerada como a primeira opção na maioria dos casos (Figura 2). Por exemplo, a síndrome de diarreia hemorrágica aguda é cada vez mais tratada com fluidoterapia intravenosa, cuidados de suporte, antieméticos e probióticos, sem a utilização de antibióticos. Muitas vezes, o tratamento de abscessos por mordida de gato consiste apenas em incisão, drenagem e lavagem. A tosse dos canis geralmente pode ser controlada com supressores da tosse (i. e., antitussígenos) e repouso.
  • Otimizar a dose, o esquema e a via de administração. Ciclos mais curtos de antibioticoterapia costumam ser tão eficazes quanto ciclos mais longos. Durações arbitrárias de antibióticos não são mais utilizadas na medicina humana, e o mesmo vale na medicina veterinária. Um ensaio clínico denominado "Stop on Sunday" está em andamento para determinar a duração ideal da antibioticoterapia em cistite esporádica canina.13 Ciclos mais curtos podem ser testados reavaliando o paciente antes de concluir a antibioticoterapia. Sempre que possível, deve-se dar preferência ao tratamento tópico em detrimento ao sistêmico para reduzir o impacto sobre o microbioma.
  • Tratar de forma eficaz. Ao prescrever um antibiótico, o médico-veterinário deve considerar qual a bactéria mais provável em cada caso. Também é importante levar em consideração quais antibióticos podem penetrar nos tecidos afetados. Como essas informações nem sempre estão disponíveis, os médicos-veterinários podem usar guias (como o pôster PROTECT ME) para ajudá-los na seleção do antibiótico em infecções específicas. Nos quadros de pielonefrite e prostatite, é necessário utilizar antibióticos que atuem na área acometida, como fluoroquinolonas ou sulfonamidas potenciadas. A administração correta também é fundamental, e os tutores podem consultar as informações disponíveis, como as do site da International Cat Care,14 sobre como administrar medicamentos por via oral, o que pode reduzir a dependência de injeções de ação prolongada.
  • Empregar antibióticos de espectro estreito. Antibióticos de amplo espectro promovem resistência, enquanto antibióticos de espectro estreito têm um efeito mais limitado sobre bactérias comensais e permitem reservar outras opções terapêuticas para o futuro. Em infecções graves que exigem tratamento imediato, pode ser necessário o uso de antibióticos de amplo espectro inicialmente, embora o tratamento deva ser ajustado com base nos resultados da cultura. Os gastos com a cultura são justificáveis, pois esse exame permite um tratamento direcionado, com antibióticos menos dispendiosos em muitos casos, e reduz o risco de resistência a múltiplos medicamentos.
  • Conduzir os exames de citologia e cultura microbiológica. Esses testes são essenciais para o uso racional de antibióticos. A citologia permite a confirmação rápida da presença de bactérias, enquanto a cultura pode identificar os padrões de resistência. Isso é particularmente importante em tratamentos prolongados, infecções resistentes e casos com risco de vida. A falha no tratamento de primeira escolha não deve levar à troca de antibióticos sem o resultado da cultura. “Se o sucesso não for alcançado a princípio, é preferível tentar uma estratégia diferente, em vez de outro medicamento”.
  • Transformar a política de uso de antibióticos. Uma política colaborativa e baseada em evidências garante a prescrição responsável na clínica. Seguir as diretrizes do acrônimo PROTECT ME ajuda a estabelecer estratégias de linha de frente. As políticas devem incluir opções de antibióticos, testes de diagnóstico e tratamentos alternativos. Para maximizar o impacto das diretrizes de uso de antibióticos em ambientes de saúde humana e veterinária, foi demonstrada a importância do engajamento das partes interessadas.15,16
  • Monitorar. Acompanhar o desempenho e a situação localmente. Monitorar infecções do sítio cirúrgico e ajustar os protocolos, conforme a necessidade. Verificar a conformidade do uso de antibióticos, especialmente os restritos, como fluoroquinolonas e cefovecina.
  • Educar outras pessoas. A pressão dos clientes para usar antibióticos muitas vezes se deve à falta de conhecimento. Explicar as alternativas e os riscos reduz essa pressão, e ensinar as medidas de higiene e prevenção de doenças incentiva a prescrição responsável. Ferramentas como formulários de medicamentos isentos de prescrição podem reforçar a decisão de não prescrever antibióticos, uma estratégia comprovada na medicina humana.
Exemplos visuais de condições que podem ser tratadas com segurança sem o uso de antibacterianos
Figura 2. Exemplos de condições que podem ser tratadas com segurança sem o uso de antibacterianos: (a) Síndrome da diarreia hemorrágica canina aguda (a menos que haja marcadores de sepse); (b) Colite aguda; (c) cistite idiopática felina; (d) abscesso por mordida de gato. © Ian Ramsey (a,b) / Shutterstock (c,d)

Com essas medidas, é possível reduzir o uso desnecessário de antibióticos, melhorar os resultados do tratamento e mitigar o aumento da resistência antimicrobiana.

Prescrição racional de antiparasitários

Ao contrário da resistência a antibióticos, os princípios do uso responsável de antiparasitários são menos bem definidos e dependem muito mais do conhecimento da região e da compreensão dos riscos. Nas três últimas décadas, houve uma mudança cultural em muitos países que passaram do uso terapêutico após infestação confirmada para o uso preventivo de rotina. Essa mudança ocorreu em resposta ao desenvolvimento de tratamentos mais seguros (para o animal) e mais convenientes, bem como à disseminação de parasitas como Angiostrongylus, capaz de causar doenças graves.17

Ao prescrever antiparasitários, os médicos-veterinários sempre devem adotar uma abordagem baseada no risco, em vez de usá-los de forma rotineira. Em certas regiões de alguns países, a profilaxia de rotina pode ser necessária em virtude do risco e perigo de determinadas infecções parasitárias (por exemplo, dirofilariose canina [Dirofilaria immitis]).18 No entanto, isso não pode ser aplicado a todos os parasitas em todos os países. Mesmo em regiões onde se recomenda a profilaxia de rotina, é importante utilizar produtos de espectro mais restrito e administrá-los corretamente. Sabemos que existem muitas lacunas nos dados científicos sobre parasitas e antiparasitários, o que dificulta a análise de risco. Os autores sugerem que médicos-veterinários e tutores considerem o impacto dos antiparasitários antes do uso e sigam as recomendações da Tabela 1.

Tabela 1. Como estimar o IMPACTO (acrônimo) dos antiparasitários antes do uso.

Identifique os parasitas mais prováveis para cada animal e considere o risco associado à exposição. O risco de alguns parasitas é sazonal.

Monitore regularmente a presença de parasitas, tanto na clínica (por exemplo, exame de fezes para identificar endoparasitas) como no ambiente doméstico, e incentive os tutores a monitorar a existência de infestação parasitária (por exemplo, uso regular de pentes antipulgas e verificações rotineiras após passeios para detectar carrapatos).

Previna infestações sem agentes antiparasitários. Por exemplo, evite alimentos crus, lave a cama do seu pet toda semana (a altas temperaturas), aspire regularmente as áreas de repouso, e evite áreas com alto risco de carrapatos.

Abstenha-se de usar produtos com múltiplos ingredientes ativos, quando não forem necessários. Poucos animais correm um risco elevado de contrair todos estes parasitas: nematódeos (também conhecidos como vermes redondos), platelmintos, vermes pulmonares, carrapatos e pulgas.

Comunique os clientes e colegas sobre os riscos e perigos (incluindo os ambientais) do uso de antiparasitários, bem como sobre a importância da dosagem e do descarte corretos das embalagens. Menor contaminação ambiental por pesticidas também significa menos gastos para os tutores.

Treine os tutores sobre o que fazer e o que não fazer com medicamentos antiparasitários. Por exemplo, como coletar e descartar corretamente as fezes de cães; não usar produtos tópicos em cães que nadam, tomam banho ou fazem hidroterapia regularmente; e não jogar fezes nem urina de animais que recebem tratamento oral no vaso sanitário.

Ao prescrever antiparasitários, os médicos-veterinários devem contar com o consentimento informado de seus clientes e o respaldo de diretrizes e/ou protocolos da clínica. No Reino Unido, essa abordagem se baseia nas recomendações da BVA, BSAVA e BVZS sobre o uso responsável de antiparasitários em cães e gatos19 e é complementada por outros recursos, como o pôster do plano de 5 pontos (Figura 3). Em outros países, existem regulamentos legais, diretrizes e políticas nacionais que devem ser cuidadosamente revisados e considerados.

Testes para a detecção de endoparasitas podem ajudar não só a reduzir o uso desnecessário de endoparasitários e a detectar uma possível resistência antiparasitária, mas também a avaliar o risco em nível local e individual. Todavia, é importante notar que diferentes técnicas de flutuação fecal podem apresentar resultados distintos, dependendo do parasita e do método utilizado.20 Dados coletados de diferentes laboratórios podem ser úteis para avaliar a prevalência regional ou nacional, embora isso possa não ser aplicável em nível local.21

Ao contrário da resistência a antibióticos, os princípios do uso responsável de antiparasitários são menos bem definidos e dependem muito mais do conhecimento da região e da compreensão dos riscos.

Rosemary Perkins

Prescrição adequada de medicamentos quimioterápicos

O uso de agentes quimioterápicos na medicina veterinária de pequenos animais representa um risco à saúde ocupacional, animal e pública.22 Além de o uso estar aumentando cada vez mais, os quimioterápicos são utilizados em uma ampla variedade de quadros clínicos. Avanços na quimioterapia (como a quimioterapia metronômica) podem reduzir ainda mais o monitoramento clínico, visto que os medicamentos são administrados em casa. Além disso, novas substâncias, como os inibidores de c-Kit, apesar de não fazerem parte da quimioterapia convencional, podem apresentar riscos semelhantes, particularmente durante a gestação, e devem ser tratadas como medicamentos citotóxicos. Algumas regras básicas incluem:

Indicação correta: Como a exposição à quimioterapia acarreta riscos consideráveis (tanto para o paciente como para quem manipula os quimioterápicos), essas substâncias só devem ser prescritas quando absolutamente indicadas. Essa indicação requer a confirmação do diagnóstico por meio histológico ou citológico e a probabilidade de resposta ao tratamento. O uso de quimioterápicos em pesquisas deve ser limitado a ensaios clínicos controlados.

Redução da exposição: A exposição ocupacional pode ocorrer durante o manuseio, seja pela limpeza de líquidos derramados ou pelo contato com líquidos corporais ou excrementos de pacientes em quimioterapia. A exposição pode se dar por contato direto com a pele, inalação de partículas de medicamentos na forma de aerossol, ingestão, ou picadas de agulha. O ambiente em que o paciente é tratado e alojado após a quimioterapia pode estar contaminado por fezes, urina e outros líquidos corporais. Portanto, tanto os tutores como o ambiente correm risco de contaminação.23

Avaliação da adequação do ambiente e do pessoal (nível de competência e treinamento) para a administração da quimioterapia, bem como da adesão dos tutores aos protocolos de gestão de resíduos antes de iniciar o tratamento. Todos os tutores devem receber informações por escrito sobre os possíveis riscos dos medicamentos citotóxicos (para as pessoas, os animais tratados e o ambiente). Isso deve incluir o período de excreção do medicamento administrado e o manejo das secreções do paciente (saliva, urina, vômitos, fezes).

Custo e segurança da quimioterapia: Sem dúvida, algumas das medidas descritas anteriormente aumentam o custo da quimioterapia e, infelizmente, em alguns casos, podem tornar o tratamento inacessível. Contudo, as clínicas têm a responsabilidade legal de proteger seus funcionários e o público, e os profissionais veterinários têm o dever de cuidar de seus pacientes. Portanto, o custo não é motivo para deixar de seguir os procedimentos de segurança adequados. Para obter mais informações sobre protocolos específicos de manejo da quimioterapia, recomenda-se a consulta de diversos recursos.24

A pressão dos clientes para usar antibióticos muitas vezes se deve à falta de conhecimento. Explicar as alternativas e os riscos reduz essa pressão, e ensinar medidas de higiene e prevenção de doenças incentiva a prescrição responsável.

Fergus Allerton

Conclusão

Inevitavelmente, quando os médicos-veterinários são obrigados a prescrever e usar determinados medicamentos para o tratamento de doenças em animais, esses profissionais se deparam com o dilema de equilibrar a saúde humana, animal e ambiental, sem deixar de lado a obtenção dos melhores resultados para seus pacientes. Diretrizes são pontos de referência úteis, mas só têm valor se forem independentes, baseadas em evidências e seguidas pela maioria dos profissionais. No próximo artigo, analisaremos os fatores necessários não só para o desenvolvimento de diretrizes robustas, mas também para a adoção de boas práticas por parte dos médicos-veterinários e tutores.

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Ian Ramsey

Ian Ramsey

BVSc, PhD, DSAM, Dipl. ECVIM-CA, FHEA, FRCVS, University of Glasgow Small Animal Hospital, Glasgow, Reino Unido

O Dr. Ramsey é professor do Departamento de Medicina de Pequenos Animais da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Glasgow. Depois de se formar na Faculdade de Medicina Veterinária de Liverpool, ele obteve seu doutorado pela Universidade de Glasgow e concluiu sua residência na Universidade de Cambridge. Além de ser especialista certificado pelo Royal College of Veterinary Surgeons e pelo European College of Veterinary Internal Medicine, Ramsey possui extensas publicações sobre diversos temas em medicina interna de pequenos animais. Em 2015, ele recebeu o Prêmio Woodrow da BSAVA por suas contribuições à medicina de pequenos animais e, em 2016, tornou-se membro do RCVS. Foi presidente da BSAVA e membro de diversas entidades profissionais, incluindo a Aliança Britânica para o Uso Responsável de Medicamentos em Animais de Companhia e Equinos (RUMA-CAE). Desde 2022, Ian participa da Anistia Internacional para Antibióticos.
Rosemary Perkins

Rosemary Perkins

BVSc, PGCertSAOpth, PhD, MRCVS, School of Life Sciences, University of Sussex, Brighton, Reino Unido

A Dra. Perkins é médica-veterinária e pesquisadora na Universidade de Sussex. Ela obteve seu doutorado com pesquisas sobre as emissões ambientais de antiparasitários para cães e gatos, além de ser autora de inúmeras publicações sobre esse tema, incluindo a contaminação dos cursos d’água por produtos antiparasitários utilizados nesses pets por conta do descarte em águas residuais ou áreas de banho ao ar livre. Além de suas pesquisas, ela atua como médica-veterinária de pequenos animais. É membra ativa do grupo PREPP (Producing Rational Evidence for Parasiticide Prescription, Produção de Evidências Racionais para a Prescrição de Parasiticidas) do Imperial College e integra o grupo de trabalho sobre antiparasitários da VetSustain.
Fergus Allerton

Fergus Allerton

BSc, BVSc, CertSAM, Dipl. ECVIM-CA, MRCVS, Willows Veterinary Centre & Referral Service, Solihull, Reino Unido

O Dr. Fergus Allerton se formou em Medicina Veterinária pela Universidade de Bristol em 2004 e, depois de trabalhar 6 anos em uma clínica particular de pequenos animais, ele concluiu residência em Medicina Interna na Universidade de Liège, na Bélgica. Atualmente, Fergus trabalha em um importante hospital veterinário de referência no Reino Unido e é membro do Comitê Terapêutico da WSAVA. Também colabora com a Rede Europeia para a Otimização do Tratamento Antimicrobiano Veterinário (ENOVAT) na gestão de medicamentos veterinários e contribuiu para a elaboração das recentes recomendações do PROTECT ME sobre o uso de antibióticos.

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