A comunicação é uma habilidade clínica parte 1

Escrito por Miguel Ángel Díaz , Iván López Vásquez , Cindy Adams e Antje Blättner

As habilidades de comunicação descritas a seguir são essenciais para o desenvolvimento de uma relação de colaboração entre o médico-veterinário e o cliente, entre o pessoal da clínica e o cliente, bem como entre os próprios membros da equipe. Essas habilidades constituem a base da comunicação na clínica e podem levar a um maior consenso entre todos , melhorar os relacionamentos e a coordenação na prestação do atendimento médico, além de reduzir os conflitos e as reclamações. Vamos praticar!

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A comunicação é uma habilidade clínica (parte 1)

Pontos-chave

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Para facilitar a tomada de decises e responder s expectativas e necessidades, essencial levar em considerao a forma como interpretamos a comunicao no verbal.

Comunicação não verbal

A comunicação não verbal inclui todos os sinais comportamentais emitidos quando os indivíduos interagem entre si, excluindo o conteúdo verbal. Embora as estimativas possam variar, sugere-se que 80% da nossa comunicação seja não verbal. Para transmitir nossos sentimentos e emoções a outras pessoas, utilizamos vias não verbais, enquanto o que dizemos tem a ver com o que pensamos. Na maioria dos casos, a comunicação de nossos sentimentos e emoções é involuntária e, às vezes, pode estar fora de nosso controle. 

Existem quatro categorias de comunicação não verbal (Figura 1) [1]:

- Cinésica
- Proxêmica
- Paralinguagem
- Alterações autonômicas

Existem  quatro tipos de comunicação não verbal. Você sabe qual dele utiliza mais?
Figura 1. Existem quatro tipos de comunicação não verbal. Você sabe qual dele utiliza mais?

Cinésica

Exercício 1
Figura 2. Exercício 1. © IHC Veterinary Communication Project, New Haven, CT.

A cinésica refere-se a comportamentos como expressões faciais, nível de tensão geral do corpo, gestos, postura corporal e movimentos. Trata-se normalmente de comportamentos não verbais sobre os quais temos algum grau de controle voluntário. 

Exercício 1
 
- Que tipo de postura corporal e expressões faciais você nota nesta cliente?
- Que suposições você pode fazer sobre como ela está se sentindo?
- O que você pode dizer ou fazer para confirmar suas suposições?

[Responderemos a essas perguntas no final deste capítulo.]

Proxêmica

Exercício 2
Figura 3. Exercício 2. © IHC Veterinary Communication Project, New Haven, CT

A proxêmica refere-se à organização espacial das pessoas, incluindo a distância entre o médico-veterinário e o cliente, o ângulo que o médico-veterinário se posiciona em relação ao cliente, as diferenças verticais de altura e as barreiras físicas, como elementos gráficos (pôsteres, cartazes, newsletters), mesas de exame, computadores e até o próprio animal. 

 

Exercício 1

- Que tipo de informações a cliente e a médica-veterinária estão trocando?
- O que você pode supor sobre os sentimentos da cliente, considerando a comunicação não verbal dela?
- O que você pode fazer para lidar com o que está vendo em relação à comunicação não verbal dela?

[Responderemos a essas perguntas no final deste capítulo.]

Paralinguagem

A paralinguagem inclui a entonação da voz.
Figura 4. A paralinguagem inclui a entonação da voz. © Shutterstock

A paralinguagem engloba todas as qualidades da voz: tom, velocidade, ritmo, volume e ênfase. Utilizamos essas qualidades para transmitir mensagens muito diferentes, usando as mesmas palavras, por exemplo: “agora vou trabalhar” pode ser uma frase expressa de maneiras diversas e é diferente de “vou trabalhar”. É preciso levar em conta que também existem diferenças culturais. Algumas culturas enfatizam mais o tom e o ritmo de voz, enquanto outras colocam mais ênfase em determinadas palavras. Uma voz suave e acolhedora pode proporcionar relaxamento e conforto ao cliente e, com isso, ajudá-lo a falar com mais facilidade sobre o que mais o preocupa. Isso também pode tornar o cliente mais aberto e receptivo às informações e recomendações fornecidas pelo médico-veterinário. 

Alterações autonômicas

Exercício 3
Figura 5. Exercício 3. © IHC Veterinary Communication Project, New Haven, CT

O comportamento autonômico refere-se aos comportamentos regidos e controlados pelo sistema nervoso autônomo. Esta é a categoria de comunicação não verbal sobre a qual temos pouco ou nenhum controle. Aprender a observar esses comportamentos pode ser muito útil, pois muitas vezes eles indicam que uma pessoa está mudando seu estado emocional interno e que seus sentimentos em relação ao que está sendo tratado naquele momento ou à natureza da consulta são muito intensos. A cor do rosto pode mudar do neutro ao ruborizado ou empalidecido e a conjuntiva dos olhos pode começar a brilhar como um sinal precoce de lacrimejamento; além disso, você pode notar a transpiração (suor) ou sentir isso em um aperto de mão e observar o tipo de respiração da pessoa (superficial [torácica] ou profunda [abdominal]) ou se, na verdade, ela está prendendo a respiração quando se aborda um assunto específico. 

Exercício 3

-Que tipo de postura corporal e expressões faciais você nota nesta cliente?
-Que suposições você pode fazer sobre como ela está se sentindo?
-O que você pode dizer ou fazer para confirmar suas suposições?

[Responderemos a essas perguntas no final deste capítulo.]

O que fazer quando as mensagens se mesclam

É essencial fazer a leitura do padrão geral, em vez de um único sinal, das respostas não verbais do cliente, pois as respostas mistas são comuns. A primeira coisa que temos de considerar é quando a comunicação não verbal do cliente está transmitindo algo diferente do que ele está expressando verbalmente ou dizendo em palavras. Isso significa que devemos ter a comunicação não verbal em mente, como quando o cliente chora ou lacrimeja, evita o contato visual, olha para o relógio e exibe emoções de raiva, medo, confusão, desamparo ou tristeza.

O segundo passo consiste em refletir sobre o que vemos ou acreditamos que está acontecendo com o cliente. Uma mensagem mista acontece quando o canal de comunicação verbal não corresponde ao canal de comunicação não verbal. Alguns especialistas em comportamento não verbal falam da mensagem mista como um “escape ou fuga não verbal” ou uma “decepção”. Muitas vezes, uma mensagem mista indica que, de alguma forma, o cliente não se sente seguro o suficiente para falar ao médico-veterinário o que ele sente ou deseja, e isso geralmente acontece porque o cliente não concorda com as recomendações do médico-veterinário. 

Então, o que fazemos com uma mensagem mista? Em primeiro lugar, o terreno deve ser preparado com sinais não verbais para alcançar o nível máximo de relacionamento, começando por você mesmo (médico-veterinário) e sua clínica. Certifique-se de que cada canto da clínica envie mensagens de acolhimento e boas-vindas para os clientes e seus pets. A clínica, incluindo o espaço da sala de consulta, deve ser disposta e organizada de modo a favorecer o conforto e a comodidade, tanto para o cliente como para o paciente. 

Em seguida, precisamos autoavaliar nossa comunicação não verbal, começando a considerar se fazemos uma diferença vertical na altura para examinar o paciente. Você se coloca em uma posição acima do cliente para poder examinar o paciente? Que tipo de distância interpessoal você mantém para um relacionamento ideal? Você está muito perto ou muito longe do cliente para ter uma conversa descontraída com ele? Que tipo de barreiras poderia distrair o cliente do relacionamento não verbal (a mesa de exame, o computador para registro dos dados, etc.)? Preste atenção ao seu tom de voz e se você está falando muito ou pouco em comparação com o cliente. 

Agora é a hora de reconhecer possíveis discrepâncias entre a comunicação verbal e não verbal do cliente, falando algo do tipo:

“Susan, ainda que a sra. tenha concordado em fazer mais testes para nos ajudar a descobrir o que está acontecendo com a Sadie, tenho a sensação de que a sra. está um pouco insegura com essa decisão” [faça uma pausa e deixe Susan responder]. 

Para compreender as emoções e os sentimentos do cliente, é essencial captar os sinais não verbais, decifrá-los e, o mais importante, verificar se interpretamos corretamente a linguagem não verbal. 

O terceiro passo envolve incluir a resposta do cliente em nosso próximo comentário ou pergunta. Por exemplo, suponha que Susan tenha respondido à sua pergunta (sobre ela não ter certeza de fazer mais testes) da seguinte forma:

“Sim, estou insegura. Já fizemos vários testes e não sabemos nada de novo sobre o que está acontecendo com Sadie; por isso, estou relutante em gastar mais dinheiro.”

Como você poderia responder?

Reserve alguns minutos para pensar nas palavras que você usaria antes de examinar a possibilidade abaixo.

Uma possível resposta poderia ser:

“Obrigado por me informar sobre sua preocupação, Susan. Os outros dois testes que estou sugerindo, decalques por impressão em fita adesiva e raspados de pele, são os próximos passos a serem seguidos depois do exame de sangue que já fizemos. Esses exames nos ajudarão a determinar o que está contribuindo para o prurido (coceira) e os arranhões na pele de Sadie.”

Como você pode ver no exemplo acima, o médico-veterinário percebeu que Susan estava chateada e não queria gastar mais dinheiro, só porque o médico-veterinário ainda não sabia o que havia de errado com o seu pet. Para lidar com a resistência de Susan, o médico-veterinário explicou a razão pela qual os testes adicionais poderiam ser úteis no tratamento de Sadie.


Nunca é demais enfatizar a importância do comportamento não verbal adequado para desenvolver um relacionamento ideal. Como já foi dito, captar os sinais não verbais do cliente, decodificá-los e, o mais importante, verificar sua correta interpretação, é crucial para entender as emoções e os sentimentos do cliente. Dessa forma, podemos avançar na conversa e ter mais oportunidades de tomar as decisões certas em benefício do paciente, respondendo às crenças, expectativas e necessidades do cliente.

 

Miguel Ángel Díaz

Miguel Ángel Díaz

DVM

Spain

Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 which grew from a two-person office to a 24/7 hospital with 17 employees. After running his hospital for 25 years, he handed it over to his team in 2017 in order to concentrate exclusively on his great passion: coaching.

Miguel is the director of the company New Way Coaching, aimed at helping veterinarians become better leaders. He has been educating and training veterinarians in Europe, Latin America, and Asia since 2009 in leadership, motivational techniques, effective communication, handling objections, conflict resolution, influence and persuasion. He spends his days giving individual coaching sessions, private training for his clients’ teams, and workshops and conferences for major veterinary sector companies.

Miguel is an International Coach Certified by the International Coaching Community and the Center for Executive Coaching (USA). He is a Certified Trainer for Edward de Bono’s Six Thinking Hats.

He has been an international speaker at conferences in over 10 countries on three continents. He is the author of the book “7 Keys to Successfully Running a Veterinary Practice”, which has been translated into English, Polish, Chinese and Italian.

 

Iván López Vásquez

Iván López Vásquez

DVM

Chile

Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción in 1991, worked a few years at a small clinic and then shifted his career towards sales and marketing, holding several positions at multinational companies in the domestic pet market in his native country.

Since 2008 he has been the executive director of Vetcoach, a business and organizational consulting company that specializes in the pet veterinary sector in Latin America, where his vision is to create “a new standard for the veterinary world”.

Iván has studied marketing, innovation, coaching and positive psychology. Today he is a strategic business consultant in organizational development and innovation, an ORA Coach (Organizational Role Analysis), creator of initiatives to improve the well-being (happiness) of veterinary students and qualified veterinarians, as well as high-value training programs for veterinary companies and their teams on subjects such as management, wellbeing, communication skills and positive leadership.

Iván has written several management articles for veterinary journals and is an international conference speaker in Latin America.

 

Cindy Adams

Cindy Adams

MSW, PhD

Canada

Cindy Adams é professora do Departamento de Ciências Clínicas e Diagnósticas Veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da University of Calgary, onde ela desenvolveu e implementou o Clinical Communication Program (Programa de Comunicação Clínica) da nova Faculdade de Medicina Veterinária de Calgary. Para aperfeiçoar o seu conhecimento sobre as relações homem-animal, ela foi assistente social de 1980 a 1992 em associações de bem-estar infantil, abrigos para mulheres e sistemas judiciais. Os animais frequentemente participam desse tipo de trabalho. A combinação das diferentes perspectivas adquiridas a partir de suas experiências em assistência social e seu doutorado em Epidemiologia Veterinária a levou a se tornar membro do corpo docente na Ontario Veterinary College da University of Guelph (1996-2006), onde ela elaborou e conduziu o primeiro plano de estudos em Comunicação Veterinária na América do Norte e foi pioneira em um programa de pesquisas sobre Comunicação em Medicina Veterinária.

Ela contribuiu para o lançamento do projeto de Comunicação Veterinária do Institute for Healthcare Communication (conhecido antigamente como Instituto Bayer). Suas pesquisas se concentraram no treinamento em comunicação, na comunicação cliente-veterinário em clínicas de pequenos e grandes animais, bem como no bem-estar animal e na dor humana causada pela morte dos animais de companhia. Fundadora da International Conference on Communication in Veterinary Medicine (Conferência Internacional sobre Comunicação em Medicina Veterinária) e coautora do livro Skills for Communicating in Veterinary Medicine (Habilidades de Comunicação em Medicina Veterinária), ela tem ministrado palestras em nível internacional e assessorado médicos-veterinários, equipes de clínicas veterinárias e educadores de medicina veterinária na América do Norte, Europa, Austrália e Caribe.

 

Antje Blättner

Antje Blättner

DVM

Germany

A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Em seguida, ela concluiu um curso de pós-graduação em training (formação) e coaching (treinamento) na University of Linz, Áustria, antes de fundar a Vetkom, uma empresa internacional dedicada à educação de médicos-veterinários e técnicos veterinários sobre gestão de clínicas, comunicação com os clientes, marketing e outros tópicos relacionados por meio de palestras, seminários e treinamentos internos. Além de ser editora de dois periódicos veterinários, ela trabalha juntamente com a Royal Canin no treinamento de médicos-veterinários em mais de 20 países diferentes.

Referências
  1. Bonvicini K. (2003) Bayer Animal Health Communication Project. It goes without saying. New Haven (CT): Institute for Healthcare Communication.

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