O bom andamento da consulta (parte 1)

Escrito por Miguel Ángel Díaz , Iván López Vásquez, Cindy Adams e Antje Blättner

Com frequência, os médicos-veterinários se concentram no pet e se esquecem do tutor...Para focar no cliente, é necessário um pouco de preparação e treinamento. A consulta deve seguir um processo em que se criam condições favoráveis para uma interação positiva com o tutor do pet. 


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O bom andamento da consulta (parte 1)

Pontos-chave

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O mdico-veterinrio deve fazer um intervalo entre as duas consultas para se adaptar e focar no novo caso.

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A melhor orientao para uma comunicao perfeita perguntar: como podemos transformar cada consulta em uma experincia especial para o nosso cliente?

O preparo prévio do cliente


Assim como os atletas precisam se aquecer e preparar seus músculos antes dos treinos e das competições para reforçar a sua motivação, o médico-veterinário deve se preparar mentalmente para atender um cliente antes da consulta. Esse tempo é bem investido para o seguinte:

O médico-veterinário se reitera do motivo das últimas consultas e transações do cliente e pode retomar diretamente o assunto a partir desse ponto.
O médico-veterinário pode ler o que registrou em relação ao cliente ou ao tratamento e verificar se há algum assunto pendente – p. ex., algo que foi esquecido ou lembrado quando o cliente já estava em casa. 
O médico-veterinário pode fazer uma pausa entre cada consulta e caso, com os quais ele costuma lidar simultaneamente, para se adaptar e se concentrar no caso novo.
O médico-veterinário pode se concentrar totalmente no cliente. O cliente percebe que ele é importante e o médico-veterinário dá o seu melhor para ajudar tanto o pet como seu tutor.

 

Figure 1. Checking on the last three to four contacts including phone-calls and emails before the client comes into the consultation room is the best way to prepare and “tune in” to the upcoming consultation. © Manuel Fontègne
Figura 1. Verificar os últimos três a quatro contatos, incluindo ligações e e-mails, antes de o cliente entrar no consultório, é a melhor forma de se preparar e “sintonizar” a próxima consulta. © Manuel Fontègne
Esse preparo prévio deve abranger, pelo menos, os últimos três a quatro contatos com o cliente, incluindo os telefonemas e os tópicos discutidos com a equipe da clínica, caso o médico-veterinário não tenha ouvido nem presenciado (Figura 1). Alguns clientes podem fornecer informações adicionais e expressar opiniões ou anseios a outros membros da equipe, e todas essas informações podem ser importantes para o médico-veterinário responsável pelo caso. Muitas vezes, outros clientes podem não compartilhar suas necessidades e preocupações com o médico-veterinário, especialmente se esse profissional agir de forma mais autoritária e ríspida.

No entanto, também é possível que, por alguma circunstância, o médico-veterinário não consiga ouvir tudo o que o cliente diz (p. ex., quando surge uma emergência e o médico-veterinário está sob pressão em relação ao tempo). Nesses casos, é fundamental que a equipe da clínica apoie uns aos outros e registre todas as informações sobre o cliente e seu pet no prontuário médico. Não há necessidade de escrever um romance – os pontos-chave são mais do que suficientes. Esta é a única maneira de criar um registro completo de comunicação que pode e deve ser usado. 

Como um exemplo prático de preparação, o médico-veterinário ou, em determinadas situações, o enfermeiro ou assistente, entra na sala de consulta antes do cliente, abre a ficha do pet e de seu tutor e dá uma olhada nos últimos contatos para ter uma visão geral do caso (a maioria dos softwares de computador fornece essas informações rapidamente). Nesses programas, podem ser consultados:

• Qual foi o motivo da última consulta?
Que tipo de contato foi feito após a consulta e sobre o quê? (p. ex., conversa na recepção, telefonema, e-mail, etc.)
Que compras ou pedidos o cliente fez nesse meio-tempo?
 

Com essas informações, o médico-veterinário fica totalmente preparado para a próxima consulta e pode usá-las na conversa com o cliente (ver o exemplo de diálogo número 1).

Nota: qualquer contato do cliente com a clínica é importante e requer uma boa comunicação.

A construção de um bom relacionamento

Para construir e manter uma boa relação entre o médico-veterinário e o cliente, é importante ter em mente que, de antemão, o cliente já depositou a confiança dele na clínica. O cliente escolheu uma clínica e um médico-veterinário em particular e pode ser sua primeira visita ou, então, pode ser um cliente habitual. Ele deu à clínica um voto de confiança! Os membros da equipe devem valorizar esse ato de fé, mostrando ao cliente que eles são dignos de confiança através de:

Orientação 100% focada no cliente – todos os esforços se concentram no tutor e em seu pet!
Respeito na interação – toda a comunicação destina-se a tornar a consulta uma experiência totalmente agradável.

• Distribuição de pequenos brindes (com o nome e o logo da clínica) (Figura 2) e prestação de serviços extras entre as consultas, como um telefonema para oferecer ajuda durante o tratamento ou outras situações complicadas, um pequeno pacote de ração, um voucher (cupom) para fornecer cuidados específicos como presente de aniversário para o animal ou uma coleira de cores fluorescentes com o logo da clínica para brilhar no escuro.

 
Figure 2. Surprising your clients with small and unexpected gifts is very important to set a positive mood and build a strong relationship. © Manuel Fontègne
Figura 2. Surpreender seus clientes com pequenos presentes inesperados é muito importante para criar um clima positivo e construir um relacionamento forte. © Manuel Fontègne

Todas essas medidas têm algo em comum: são surpreendentes para a maioria dos clientes e, portanto, exercem um efeito particularmente sustentável e duradouro. Obviamente, o cliente espera um bom atendimento veterinário. Com esses gestos e detalhes, o cliente, como uma das partes envolvidas no relacionamento tutor-veterinário, sente-se em dívida para retribuir o favor. Como resultado, cria-se um círculo de confiança, execução e retorno, em que ambas as partes “se presenteiam” e, assim, mantêm um vínculo positivo.

Além disso, a orientação 100% focada no cliente ainda não é autoevidente (i. e., aquilo que é evidente por si mesmo; óbvio) hoje em dia. Apesar da crescente concorrência entre os médicos-veterinários, aqueles que focam na gestão e nos serviços orientados ao cliente ainda são a minoria. Muito frequentemente, o cliente ainda é visto como um “tutor de um paciente” ou como um “caso clínico”, e essa descrição só reflete a importância do cliente aos olhos do médico-veterinário. Para obter uma boa relação igualitária, deve haver uma mudança fundamental na perspectiva – uma mudança de paradigma – da equipe da clínica: mudar o conceito de “tutor de pet” para o de “cliente valorizado”. Se isso for colocado em prática diariamente, o sucesso frente à concorrência é garantido! 

Como podemos começar uma consulta estabelecendo uma boa relação? Na realidade, isso é muito simples, pois todos nós gostamos de ser recebidos de maneira positiva, amistosa e com um elogio. A pessoa que cede antecipadamente é quem determina o estado de ânimo (humor) em uma reunião! Para o início de uma consulta, em particular, isso significa:


100% de atenção, ou seja, todo o nosso corpo voltado para o cliente;
sorriso radiante (a menos que o motivo da consulta seja trágico, como no caso de uma eutanásia, por exemplo);
cumprimento do cliente pelo nome (e também com um aperto de mão, dependendo dos costumes étnicos e culturais);
saudação do pet pelo nome;
elogio ou reforço positivo ao cliente, dizendo, p. ex., “Fico feliz em vê-los aqui!” “Essa caixa de transporte para gatos é perfeita para o Lucky!”


Ainda que confiemos em grande medida no conhecimento médico especializado e em fatos (dados) científicos, os especialistas em comunicação concordam que o relacionamento com o cliente pode ser mais importante que o conteúdo ou o nível de conhecimento (plano factual). Se a relação entre os interlocutores não for positiva ou se houver conflitos ocultos, o conteúdo (plano factual) não será transmitido de forma satisfatória. Quando um diálogo se baseia na confiança mútua entre o médico-veterinário e o cliente, é extremamente importante fortalecer o relacionamento logo no início do contato (e repetidamente), para que o plano factual (achados, diagnóstico, tratamento) do caso clínico em si também seja reconhecido pelo cliente.

O exemplo de diálogo a seguir mostra como o preparo e o estabelecimento de uma boa relação podem ser implementados no dia a dia da clínica:

• Médico-veterinário: “Olá sra. Schmidt. Estou feliz que a sra. veio à clínica com o Lucky hoje! Parece que Lucky está muito animado e ativo.”

O médico-veterinário estabelece uma boa relação com a sra. Schmidt e com o Lucky ao recebê-los com um sorriso e cumprimentá-los pelo nome. Além disso, o médico-veterinário expressa sua alegria e satisfação em vê-los na clínica e faz um pequeno elogio a Lucky. Em seguida, o médico-veterinário também mostra que está preparado, revisa diretamente os últimos contatos ou visitas do cliente e então prossegue com a consulta. 

Médico-veterinário: “Acabei de ler a ficha de Lucky e fico satisfeito em saber que ele está tolerando bem a nova dieta e por apreciar o sabor dela.”
Cliente: “Sim, é incrível! Isso nunca aconteceu antes. Sempre foi muito difícil fazer com que Lucky experimentasse um novo alimento.”
Médico-veterinário: “E como foi o conselho que minha assistente lhe deu ao telefone?”


Pelo prontuário médico de Lucky, o médico-veterinário sabe que sua assistente deu alguns conselhos à sra. Schmidt e aqui ele usa essas informações com muita habilidade.

Cliente: “Foi um conselho muito valioso. Só tenho que agradecer!”
Médico-veterinário: “Bem, podemos prosseguir agora. O que os trouxe hoje aqui?”
.....


Esse tipo de diálogo que serve como introdução à consulta não é uma “conversa trivial ou banal”, mas sim um tempo de alta qualidade muito bem investido no atendimento ao cliente, na retenção de clientes e na coleta de informações. A sra. Schmidt certamente reparou que o médico-veterinário e toda a sua equipe levam a sério suas necessidades e se preocupam em oferecer a ela e ao Lucky os melhores serviços possíveis. 

Nota: as pessoas não se importam com o que você sabe até saberem o quanto você se importa com elas!

 
 

Miguel Ángel Díaz

Miguel Ángel Díaz

DVM

Spain

Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 which grew from a two-person office to a 24/7 hospital with 17 employees. After running his hospital for 25 years, he handed it over to his team in 2017 in order to concentrate exclusively on his great passion: coaching.

Miguel is the director of the company New Way Coaching, aimed at helping veterinarians become better leaders. He has been educating and training veterinarians in Europe, Latin America, and Asia since 2009 in leadership, motivational techniques, effective communication, handling objections, conflict resolution, influence and persuasion. He spends his days giving individual coaching sessions, private training for his clients’ teams, and workshops and conferences for major veterinary sector companies.

Miguel is an International Coach Certified by the International Coaching Community and the Center for Executive Coaching (USA). He is a Certified Trainer for Edward de Bono’s Six Thinking Hats.

He has been an international speaker at conferences in over 10 countries on three continents. He is the author of the book “7 Keys to Successfully Running a Veterinary Practice”, which has been translated into English, Polish, Chinese and Italian.

 


Iván López Vásquez

Iván López Vásquez

DVM

Chile

Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción in 1991, worked a few years at a small clinic and then shifted his career towards sales and marketing, holding several positions at multinational companies in the domestic pet market in his native country.

Since 2008 he has been the executive director of Vetcoach, a business and organizational consulting company that specializes in the pet veterinary sector in Latin America, where his vision is to create “a new standard for the veterinary world”.

Iván has studied marketing, innovation, coaching and positive psychology. Today he is a strategic business consultant in organizational development and innovation, an ORA Coach (Organizational Role Analysis), creator of initiatives to improve the well-being (happiness) of veterinary students and qualified veterinarians, as well as high-value training programs for veterinary companies and their teams on subjects such as management, wellbeing, communication skills and positive leadership.

Iván has written several management articles for veterinary journals and is an international conference speaker in Latin America.

 



Cindy Adams

Cindy Adams

MSW, PhD

Canada

Cindy Adams é professora do Departamento de Ciências Clínicas e Diagnósticas Veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da University of Calgary, onde ela desenvolveu e implementou o Clinical Communication Program (Programa de Comunicação Clínica) da nova Faculdade de Medicina Veterinária de Calgary. Para aperfeiçoar o seu conhecimento sobre as relações homem-animal, ela foi assistente social de 1980 a 1992 em associações de bem-estar infantil, abrigos para mulheres e sistemas judiciais. Os animais frequentemente participam desse tipo de trabalho. A combinação das diferentes perspectivas adquiridas a partir de suas experiências em assistência social e seu doutorado em Epidemiologia Veterinária a levou a se tornar membro do corpo docente na Ontario Veterinary College da University of Guelph (1996-2006), onde ela elaborou e conduziu o primeiro plano de estudos em Comunicação Veterinária na América do Norte e foi pioneira em um programa de pesquisas sobre Comunicação em Medicina Veterinária.

Ela contribuiu para o lançamento do projeto de Comunicação Veterinária do Institute for Healthcare Communication (conhecido antigamente como Instituto Bayer). Suas pesquisas se concentraram no treinamento em comunicação, na comunicação cliente-veterinário em clínicas de pequenos e grandes animais, bem como no bem-estar animal e na dor humana causada pela morte dos animais de companhia. Fundadora da International Conference on Communication in Veterinary Medicine (Conferência Internacional sobre Comunicação em Medicina Veterinária) e coautora do livro Skills for Communicating in Veterinary Medicine (Habilidades de Comunicação em Medicina Veterinária), ela tem ministrado palestras em nível internacional e assessorado médicos-veterinários, equipes de clínicas veterinárias e educadores de medicina veterinária na América do Norte, Europa, Austrália e Caribe.

 


Antje Blättner

Antje Blättner

DVM

Germany

A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Em seguida, ela concluiu um curso de pós-graduação em training (formação) e coaching (treinamento) na University of Linz, Áustria, antes de fundar a Vetkom, uma empresa internacional dedicada à educação de médicos-veterinários e técnicos veterinários sobre gestão de clínicas, comunicação com os clientes, marketing e outros tópicos relacionados por meio de palestras, seminários e treinamentos internos. Além de ser editora de dois periódicos veterinários, ela trabalha juntamente com a Royal Canin no treinamento de médicos-veterinários em mais de 20 países diferentes.