Por que investir em comunicação? (Parte 1)
Nos Estados Unidos, o percentual de suicídios na profissão veterinária é 3 vezes maior que a média da população geral, e esse percentual é ainda pior no caso de mulheres. Trabalhar como médico-veterinário claramente nos coloca em risco de “fadiga por compaixão”, um problema de saúde bastante complexo e devastador. Estamos convencidos de que a boa comunicação com os tutores de pets e com a equipe da clínica pode ajudar a levar uma vida equilibrada e a evitar a sensação de esgotamento ou burnout, assim como outros transtornos psicológicos. Este é um motivo inusitado, mas muito real, para melhorar as habilidades de comunicação.
PONTOS-CHAVE
Os líderes que se comunicam de forma eficaz com a sua equipe geram um ambiente de trabalho positivo e alcançam melhores resultados financeiros para a sua empresa. Eles desenvolvem um "capital psicológico positivo".
INTRODUÇÃO: a história de Maria
Eles a viram escutar com total atenção o que o cliente estava dizendo e pedir permissão para tomar notas, fazendo questão de entender tudo, sem perder nenhum detalhe.
Além disso, eles a viram fazer perguntas para esclarecer o que ela havia entendido, resumir tudo e certificar-se de entender o motivo da reclamação do cliente.
Por fim, eles a viram marcar uma consulta com o cliente para o dia seguinte e como se agradecerem mutuamente pela conversa.
• "Maria, o que aconteceu?", seus amigos perguntaram.
• "Nada, era um cliente irritado, mas está tudo certo agora.”
• “Maria, estávamos nos referindo ao que aconteceu com você. Nunca a vimos tão calma e segura com uma reclamação de cliente. Você irradiava confiança e até parecia feliz após a ligação. Conte-nos como você fez isso. Também queremos agir assim.”
Então, imagens do passado vieram à mente de Maria, como se fossem fantasmas de uma época que ela teve de deixar para trás para superá-los. Tantos erros e tantos aborrecimentos com clientes e funcionários que poderiam ter sido evitados. Tantas situações como a daquela manhã acabaram mal e arruinaram o dia dela. Maria sorriu ao se dar conta de quantas coisas ela havia aprendido sobre comunicação e como sua qualidade de vida havia melhorado desde então. Alguns desses aprendizados estão descritos a seguir:
• Realizar a escuta ativa, em que o clínico ouve ativamente o cliente, prestando total atenção ao que este diz e tentando entender não apenas o que estava acontecendo com o pet, mas também como o cliente se sentia a respeito.
• Não interromper.
• Formular mais perguntas para garantir uma melhor compreensão.
• Levar em consideração as emoções dos clientes, prestando atenção aos gestos e à linguagem corporal deles.
• Esclarecer as dúvidas usando fotos, desenhos, esquemas e qualquer tipo de ferramenta ou recurso que possa facilitar o entendimento do cliente.
• Admitir quando não se sabe algo.
• Pedir desculpas com sinceridade.
• Dizer “não” com um sorriso para estabelecer limites em solicitações ou exigências exageradas.
• Encarar as objeções como um pedido para obter mais informações e não como uma reclamação.
E isso era apenas a ponta do iceberg. O que realmente importava era que ela nunca havia sentido tanta paz interior nem tinha mantido uma relação tão saudável e sincera com seus clientes e colegas.
Foi uma jornada longa, mas incrivelmente produtiva, pelo deserto. Maria havia sofrido muito antes de aprender a se comunicar de forma eficaz com seus clientes.
Como ela costumava dizer: “Se isso tivesse sido ensinado na universidade...”.
Maria olhou para os seus colegas e respondeu honestamente:
“Vocês querem saber o que aconteceu comigo e, obviamente, estão surpresos. Sei que costumava ter um “pavio” curto quando os clientes exigiam ou duvidavam da utilidade das minhas recomendações. Vejam, o que aconteceu foi o seguinte: há algum tempo me dei conta de que o conhecimento médico não era suficiente para proporcionar bem-estar aos meus pacientes. Podemos aprender tudo o que quisermos sobre medicina interna, patologias, novas técnicas cirúrgicas, novos tratamentos, novos testes diagnósticos, etc.; no entanto, se não formos capazes de nos comunicar de forma adequada, não seremos pagos por todo esse conhecimento nem teremos a satisfação que buscamos e merecemos. Aprendi que uma comunicação eficaz com a minha equipe e com os nossos clientes é ...UMA HABILIDADE CLÍNICA” (Figura 1).
Um de seus colegas, bastante surpreso e entusiasmado, disse a ela:
“Maria, tudo isso parece ótimo, mas não faz sentido. Acabamos de vir de um curso de medicina felina e o que aprendemos nos ajudará a prevenir e tratar melhor certas doenças em nossos pacientes. Maria, a medicina é tudo! É simples assim: basta ir à clínica, elaborar o protocolo e pronto! Tudo resolvido!”
Maria escutou atentamente, sem interromper, e replicou: “Eu concordo com você sobre o que adquirimos a partir desse curso, mas a implementação bem-sucedida de um novo protocolo médico em nossas clínicas exigirá outras habilidades. Por exemplo, primeiro com a nossa equipe: precisamos saber como apresentar e abordar o novo protocolo em uma reunião clínica, fazendo com que a equipe valorize esse protocolo e prefira utilizá-lo. Depois, com os nossos clientes: devemos fazer com que os tutores confiem em nós, sigam as novas diretrizes e estejam dispostos a investir nelas”.
Os demais colegas ficaram atônitos e maravilhados escutando a conversa e disseram: “Maria, você disse algumas coisas que realmente são muito verdadeiras e ainda manteve a calma. E você está nos fazendo refletir sobre como temos agido ultimamente”.
Maria agradeceu os comentários, dizendo que eles só estavam expondo seus pontos de vista e que não se tratava de uma briga ou competição. Maria reiterou sua opinião, contando que, no passado, depois de assistir a várias conferências e voltar motivada para a clínica, ela se deu conta de várias coisas:
• Seus colegas de trabalho acreditavam que nada de novo poderia ser aplicado na clínica, menos antes de tentar.
• Sua equipe de trabalho expressou verbalmente a conformidade e concordância com o novo protocolo, mas sua implementação e resultados não foram bons.
• Quando os colegas explicavam o novo protocolo aos tutores, havia confusão e mal-entendidos. Eles aprenderam a duras penas que, “para falar as coisas de forma adequada”, havia a necessidade de prática e repetição, visando melhorar “a percepção e a compreensão do cliente”.
• Se as novas recomendações médicas exigissem um serviço ou produto mais caro, sua equipe não se sentia à vontade com isso e alegava que era difícil lidar com a objeção do “preço elevado” ao atender os clientes.
• Os tutores expressavam suas queixas, dizendo que “a clínica estava experimentando técnicas novas, estranhas, incomuns e caras com seus pets”.
• Fiquei muito frustrada e desmotivada, como se as conferências das quais havia participado não fizessem sentido, uma vez que, como equipe, não éramos capazes de transmitir aos tutores os benefícios das recomendações. Portanto, para evitar mal-entendidos, sua equipe deixou de se esforçar para se comunicar com novos clientes.
• Muitos médicos-veterinários não conseguiam gerar confiança em seus clientes, não por falta de conhecimento técnico, mas porque eles não sabiam ouvir nem esclarecer as dúvidas.
• Maria se cansou de ouvir que seus clientes preferiam ser atendidos por ela, porque ela explicava as coisas melhor do que seus colegas.
• E poderia incluir muitas outras coisas…
Maria continuou: “A verdade é que descobri que o segredo para resolver essas situações estava nas habilidades necessárias para se comunicar de forma eficaz com os clientes e a equipe. Além disso, descobri que essas mesmas habilidades também são úteis em todos os aspectos da vida. Também aprendi que devo me importar com o meu bem-estar pessoal e a minha qualidade de vida. Estar ciente de “como me sinto” repercute em minha postura no trabalho e em como me comunico, além de dificultar ou aumentar meu desempenho, minha satisfação com o que faço e minha paixão pelo trabalho” (Figura 2).
Nossos clientes raramente têm conhecimento técnico suficiente para julgar o nosso valor profissional de maneira adequada. O mesmo acontece quando vamos a um dentista, advogado ou arquiteto. É a forma como nos comunicamos que gera confiança e segurança, além do sentimento de respeito e interesse. Vivemos em uma era de alta tecnologia em que tudo é obtido com um simples toque (1).
Nunca na história da medicina veterinária tivemos uma tecnologia tão avançada; paradoxalmente, entretanto, para tirar o máximo proveito disso, precisamos ser capazes de nos comunicar entre nós e com os nossos clientes com o mesmo nível de excelência.
Esta edição especial da revista Focus lhe ajudará a encontrar meios de alcançar a excelência na comunicação. Ajudaremos você a desenvolver essas habilidades clínicas essenciais para aproveitar ao máximo a alta tecnologia através de uma comunicação eficaz com seus clientes.
Miguel Ángel Díaz
DVM
Spain
Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 which grew from a two-person office to a 24/7 hospital with 17 employees. After running his hospital for 25 years, he handed it over to his team in 2017 in order to concentrate exclusively on his great passion: coaching.
Miguel is the director of the company New Way Coaching, aimed at helping veterinarians become better leaders. He has been educating and training veterinarians in Europe, Latin America, and Asia since 2009 in leadership, motivational techniques, effective communication, handling objections, conflict resolution, influence and persuasion. He spends his days giving individual coaching sessions, private training for his clients’ teams, and workshops and conferences for major veterinary sector companies.
Miguel is an International Coach Certified by the International Coaching Community and the Center for Executive Coaching (USA). He is a Certified Trainer for Edward de Bono’s Six Thinking Hats.
He has been an international speaker at conferences in over 10 countries on three continents. He is the author of the book “7 Keys to Successfully Running a Veterinary Practice”, which has been translated into English, Polish, Chinese and Italian.
Iván López Vásquez
DVM
Chile
Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción in 1991, worked a few years at a small clinic and then shifted his career towards sales and marketing, holding several positions at multinational companies in the domestic pet market in his native country.
Since 2008 he has been the executive director of Vetcoach, a business and organizational consulting company that specializes in the pet veterinary sector in Latin America, where his vision is to create “a new standard for the veterinary world”.
Iván has studied marketing, innovation, coaching and positive psychology. Today he is a strategic business consultant in organizational development and innovation, an ORA Coach (Organizational Role Analysis), creator of initiatives to improve the well-being (happiness) of veterinary students and qualified veterinarians, as well as high-value training programs for veterinary companies and their teams on subjects such as management, wellbeing, communication skills and positive leadership.
Iván has written several management articles for veterinary journals and is an international conference speaker in Latin America.
Cindy Adams
MSW, PhD
Canada
Cindy Adams é professora do Departamento de Ciências Clínicas e Diagnósticas Veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da University of Calgary, onde ela desenvolveu e implementou o Clinical Communication Program (Programa de Comunicação Clínica) da nova Faculdade de Medicina Veterinária de Calgary. Para aperfeiçoar o seu conhecimento sobre as relações homem-animal, ela foi assistente social de 1980 a 1992 em associações de bem-estar infantil, abrigos para mulheres e sistemas judiciais. Os animais frequentemente participam desse tipo de trabalho. A combinação das diferentes perspectivas adquiridas a partir de suas experiências em assistência social e seu doutorado em Epidemiologia Veterinária a levou a se tornar membro do corpo docente na Ontario Veterinary College da University of Guelph (1996-2006), onde ela elaborou e conduziu o primeiro plano de estudos em Comunicação Veterinária na América do Norte e foi pioneira em um programa de pesquisas sobre Comunicação em Medicina Veterinária.
Ela contribuiu para o lançamento do projeto de Comunicação Veterinária do Institute for Healthcare Communication (conhecido antigamente como Instituto Bayer). Suas pesquisas se concentraram no treinamento em comunicação, na comunicação cliente-veterinário em clínicas de pequenos e grandes animais, bem como no bem-estar animal e na dor humana causada pela morte dos animais de companhia. Fundadora da International Conference on Communication in Veterinary Medicine (Conferência Internacional sobre Comunicação em Medicina Veterinária) e coautora do livro Skills for Communicating in Veterinary Medicine (Habilidades de Comunicação em Medicina Veterinária), ela tem ministrado palestras em nível internacional e assessorado médicos-veterinários, equipes de clínicas veterinárias e educadores de medicina veterinária na América do Norte, Europa, Austrália e Caribe.
Antje Blättner
DVM
Germany
A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Em seguida, ela concluiu um curso de pós-graduação em training (formação) e coaching (treinamento) na University of Linz, Áustria, antes de fundar a Vetkom, uma empresa internacional dedicada à educação de médicos-veterinários e técnicos veterinários sobre gestão de clínicas, comunicação com os clientes, marketing e outros tópicos relacionados por meio de palestras, seminários e treinamentos internos. Além de ser editora de dois periódicos veterinários, ela trabalha juntamente com a Royal Canin no treinamento de médicos-veterinários em mais de 20 países diferentes.
Referências
- Leeds D. Berkley Books 2000, Smart Questions, página 1