Por que investir em comunicação? (Parte 5)

Escrito por Miguel Ángel Díaz, Iván López Vásquez, Cindy Adams e Antje Blättner

“Conheça a si mesmo”, disse Sócrates. Nesta última seção, veremos os "gatilhos" que fazem com que nos comportemos de certas maneiras e como lidar com eles.

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Por que investir em comunicação? (Parte 5)

Pontos-chave

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Há uma série de estímulos externos e internos que podem influenciar fortemente o modo como nos comunicamos. A qualidade de nossa comunicação depende da conexão que criamos entre os estímulos e a nossa resposta.

Gatilhos na comunicação

 

Introdução

A sra. Ciervo entrou na clínica e perguntou: “Não há ninguém aqui?” Cristina, a assistente veterinária que estava atrás do balcão, olhou nos olhos dela e lhe perguntou muito seriamente: “Oi, eu não sou ninguém?!”.

“Oh, menina, eu só estava perguntando se havia algum médico-veterinário disponível. Que bicho lhe mordeu?", perguntou a sra. Ciervo, erguendo a voz.

“Eu não sou uma menina, mas uma mulher casada e mãe de dois filhos. E bom dia, caso a sra. ainda não tenha percebido que nem me cumprimentou quando entrou”, disse Cristina. 

Figura 12. Esteja ciente de que sua linguagem corporal e tom de voz revelarão suas emoções negativas, independentemente do que você diz. © Manuel Fontègne

A partir daí, o conflito aumentou gradativamente até que a sra. Ciervo saiu irritada e Cristina começou a chorar de raiva e frustração. Ela sabia que estava errada em ter reagido dessa forma exagerada, mas não tinha conseguido se controlar (Figura 12). 

Há uma série de estímulos externos e internos que influenciam de maneira decisiva o modo como nos comunicamos. A qualidade de nossa comunicação depende da lacuna que criamos entre esses estímulos e nossa resposta. 

Quais são esses estímulos ou gatilhos que precisamos prestar atenção?

Gatilhos externos

Faça as seguintes perguntas para avaliar a situação de sua clínica (1,2).

1. Sinais do ambiente (lugar físico)

O ambiente ajuda a comunicação com os clientes a ser mais fluida, para que eles fiquem bem informados, aprendam mais e ainda se sintam à vontade e respeitados?

Alguns exemplos:

O estacionamento está limpo e possui vagas disponíveis (livres)?
Os clientes sempre são recebidos na recepção com um sorriso e o pet com um cumprimento?
Na sala de espera, há informações de caráter educativo sobre o manejo e a alimentação dos pets?
Os cães e gatos podem ficar em ambientes separados, sem se incomodar uns com os outros?
Existem recursos didáticos, como modelos anatômicos ou quadro branco para escrever ou desenhar suas explicações no consultório médico?
Evito examinar os pacientes na área da recepção ou do lado de fora da sala de consulta?

(Ver a Edição Especial da Revista Focus “Como melhorar a experiência dos tutores de pets em sua clínica”.)

Figura 13. Um estado positivo de humor e mentalidade pode ter um grande impacto em suas interações com os clientes (3). © Manuel Fontègne

2. Tempo

Você permanece com o mesmo humor de manhã e à tarde? Você tem mais paciência no início de seu plantão? Você fica mais alegre e otimista ao longo do dia?

Pergunte a si mesmo...“Quando chego bem cedo à clínica, pareço mais relaxado, cumprimento as pessoas, sorrio e escuto mais? Mas, quando chego com pouco tempo livre, não paro para sorrir nem para cumprimentar os outros? São nessas horas em que transmito estresse e torno a comunicação mais difícil?”.



3. Certas pessoas

Alguns médicos-veterinários e assistentes ficam muito estressados ao lidar com determinados clientes, tal como o caso da sra. Ciervo, por exemplo. Outros se mostram extremamente empáticos quando o cliente é idoso ou muito jovem. 

Você consegue identificar um tipo de cliente que o ajude ou o impeça de demonstrar a sua melhor versão ao se comunicar?

Há algum tipo de companhia que torna as coisas mais fáceis para você? Existe alguma pessoa na clínica que só reclama e sempre fala que a vida é injusta para ele ou ela? Talvez exista um funcionário ou chefe que nunca está satisfeito e constantemente exige mais coisas?


4. Passado imediato

Você tem consciência de algum acontecimento recente que pode facilitar ou dificultar a sua comunicação? Você ainda pode estar tenso após uma cirurgia difícil e falar rápido demais. Depois de conversar com um cliente irritado, tente fazer uma pausa antes de ver o próximo paciente. Pergunte a si mesmo se você já está pronto para mostrar a sua melhor versão depois do que aconteceu.

5. Estado de ânimo (humor)

Nosso sistema límbico realiza uma varredura em uma frequência de até cinco vezes por segundo, procurando sinais em nosso ambiente que respondam se estamos seguros ou em perigo.

Nossa linguagem, tanto verbal como corporal, envia mensagens que são captadas pelos nossos clientes para detectar o menor sinal que os ajude a decidir se é uma boa ideia ou não permanecer ali (Figura 13). Portanto, observe seu humor e esteja ciente dos sinais que você está transmitindo aos seus clientes!

Aqui estão alguns exemplos que transmitem bons sinais: ao andar com boa postura (ereto) e de forma tranquila; ao sorrir e falar com uma dicção clara, sem tropeçar em suas palavras; ao manter o contato visual enquanto conversa com alguém. Estudos científicos demonstraram que, ao modificar nossa postura, podemos mudar nosso humor (4). 

 

Gatilhos internos

Existem alguns "gatilhos ou estímulos internos" que influenciam nosso estado de humor; portanto, para ter interações mais positivas, devemos levá-los em consideração (Figura 14).

Figura 14. Você é responsável pelo estado de ânimo (clima) que impera durante as consultas: certifique-se de entrar em um círculo virtuoso. © Sandrine Fontègne

1. Evite “rotular” nossos clientes

Quando rotulamos alguém, treinamos nosso cérebro (que é neuroplástico e aprende muito rápido) a acreditar que “sempre estamos atendendo clientes difíceis” e isso nos predispõe a enfrentar interações com base em nossos próprios preconceitos e julgamentos, o que costuma não ser muito proveitoso. 

Quando, por exemplo, rotulamos mentalmente a sra. Ciervo, aquela tutora de um gato de 15 anos, como uma pessoa difícil que nunca entende nada, fala demais, etc., toda vez que falamos com ela, nossa linguagem corporal (não verbal) demonstrará inconscientemente o que pensamos; além disso, é altamente provável que ela perceba que estamos enviando mensagens não verbais diferentes das nossas palavras. 

2. Mais do que lidar com clientes difíceis, enfrentamos "interações difíceis"

Essa distinção é essencial para se ter uma predisposição positiva em uma conversa, independentemente do assunto abordado. As causas mais frequentes de interações difíceis são:

• Primeiro, quando o médico-veterinário não escuta o cliente.
• Segundo, quando um ou ambos os envolvidos na conversa não têm flexibilidade (empatia, compaixão ou mente aberta).
• Terceiro, quando as expectativas do cliente em relação ao que ele quer e aquilo que o médico-veterinário/assistente pensa ou pode fazer não estão alinhadas.
• E, por fim, quando ocorre um desfecho malsucedido, por exemplo, nos casos em que o tutor não pode arcar com o tratamento ou, quando ele tem condições financeiras para isso, mas o animal não responde conforme o esperado.

3. As interações difíceis são mais comuns em nossa profissão ou são o nosso “foco de atenção”?

Reflita por um momento em tudo o que você tem passado em sua vida profissional. Você acha que em nossa profissão há mais momentos bons do que ruins com os clientes? Se você respondeu que houve mais momentos ruins do que bons, pergunte a si mesmo: os maus momentos são realmente mais frequentes ou você seleciona, presta mais atenção e se lembra mais dos momentos difíceis que viveu, tornando-os tão intensos em sua mente a ponto de dominarem seus pensamentos e o impedirem de apreciar os inúmeros bons e belos momentos de seu trabalho?

Devemos ter em mente que o foco no positivo nos permite moldar a maneira pela qual nosso cérebro analisa os arredores (estilo explicativo positivo).

4. Em nossas consultas, há pelo menos três envolvidos

Os três participantes em uma consulta são o tutor, o pet e o médico-veterinário/assistente veterinário. Como médicos-veterinários/assistentes veterinários, devemos demonstrar atenção, respeito e cooperação ao pet e seu tutor. 

Isso porque os nossos clientes também estão constantemente observando e avaliando o nível de cuidado, compaixão e amor com que tratamos seu “filho”.

5. As interações são "flexíveis"

Se você começar mal, ainda pode terminar bem. Trata-se de usar as ferramentas disponíveis e aceitar o convite ao desafio de transformar a situação, para que ela tenha um final favorável para todos os envolvidos. 

 

Miguel Ángel Díaz

Miguel Ángel Díaz

DVM

Spain

Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 which grew from a two-person office to a 24/7 hospital with 17 employees. After running his hospital for 25 years, he handed it over to his team in 2017 in order to concentrate exclusively on his great passion: coaching.

Miguel is the director of the company New Way Coaching, aimed at helping veterinarians become better leaders. He has been educating and training veterinarians in Europe, Latin America, and Asia since 2009 in leadership, motivational techniques, effective communication, handling objections, conflict resolution, influence and persuasion. He spends his days giving individual coaching sessions, private training for his clients’ teams, and workshops and conferences for major veterinary sector companies.

Miguel is an International Coach Certified by the International Coaching Community and the Center for Executive Coaching (USA). He is a Certified Trainer for Edward de Bono’s Six Thinking Hats.

He has been an international speaker at conferences in over 10 countries on three continents. He is the author of the book “7 Keys to Successfully Running a Veterinary Practice”, which has been translated into English, Polish, Chinese and Italian.

Iván López Vásquez

Iván López Vásquez

DVM

Chile

Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción in 1991, worked a few years at a small clinic and then shifted his career towards sales and marketing, holding several positions at multinational companies in the domestic pet market in his native country.

Since 2008 he has been the executive director of Vetcoach, a business and organizational consulting company that specializes in the pet veterinary sector in Latin America, where his vision is to create “a new standard for the veterinary world”.

Iván has studied marketing, innovation, coaching and positive psychology. Today he is a strategic business consultant in organizational development and innovation, an ORA Coach (Organizational Role Analysis), creator of initiatives to improve the well-being (happiness) of veterinary students and qualified veterinarians, as well as high-value training programs for veterinary companies and their teams on subjects such as management, wellbeing, communication skills and positive leadership.

Iván has written several management articles for veterinary journals and is an international conference speaker in Latin America.

Cindy Adams

Cindy Adams

MSW, PhD

Canada

Cindy Adams é professora do Departamento de Ciências Clínicas e Diagnósticas Veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da University of Calgary, onde ela desenvolveu e implementou o Clinical Communication Program (Programa de Comunicação Clínica) da nova Faculdade de Medicina Veterinária de Calgary. Para aperfeiçoar o seu conhecimento sobre as relações homem-animal, ela foi assistente social de 1980 a 1992 em associações de bem-estar infantil, abrigos para mulheres e sistemas judiciais. Os animais frequentemente participam desse tipo de trabalho. A combinação das diferentes perspectivas adquiridas a partir de suas experiências em assistência social e seu doutorado em Epidemiologia Veterinária a levou a se tornar membro do corpo docente na Ontario Veterinary College da University of Guelph (1996-2006), onde ela elaborou e conduziu o primeiro plano de estudos em Comunicação Veterinária na América do Norte e foi pioneira em um programa de pesquisas sobre Comunicação em Medicina Veterinária.

Ela contribuiu para o lançamento do projeto de Comunicação Veterinária do Institute for Healthcare Communication (conhecido antigamente como Instituto Bayer). Suas pesquisas se concentraram no treinamento em comunicação, na comunicação cliente-veterinário em clínicas de pequenos e grandes animais, bem como no bem-estar animal e na dor humana causada pela morte dos animais de companhia. Fundadora da International Conference on Communication in Veterinary Medicine (Conferência Internacional sobre Comunicação em Medicina Veterinária) e coautora do livro Skills for Communicating in Veterinary Medicine (Habilidades de Comunicação em Medicina Veterinária), ela tem ministrado palestras em nível internacional e assessorado médicos-veterinários, equipes de clínicas veterinárias e educadores de medicina veterinária na América do Norte, Europa, Austrália e Caribe.

Antje Blättner

Antje Blättner

DVM

Germany

A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Em seguida, ela concluiu um curso de pós-graduação em training (formação) e coaching (treinamento) na University of Linz, Áustria, antes de fundar a Vetkom, uma empresa internacional dedicada à educação de médicos-veterinários e técnicos veterinários sobre gestão de clínicas, comunicação com os clientes, marketing e outros tópicos relacionados por meio de palestras, seminários e treinamentos internos. Além de ser editora de dois periódicos veterinários, ela trabalha juntamente com a Royal Canin no treinamento de médicos-veterinários em mais de 20 países diferentes.

Referências
  1. Bungay Stanier M. The Coaching Habit, 2016 Box of Crayons Press.
  2. Goldsmith M. Triggers. Sparking positive change and making it last, 2015, Profile Books.
  3. www.franklincovey.com/blog/2017/9/29/carry_your_own_weath.html
  4. Cuddy A. Presence, 2016, Orion Publishing Group Ltd

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